Discutimos a saída do CDS do Governo; Lucas Pires era um dos opositores ao abandono do Governo, com ele estavam mais dezoito. Lucas Pires, era o porta-voz daqueles que achavam que era um erro grave este largar do Governo sem uma razão válida; a determinada altura, de cansado, desistiu de combater, fui eu à liça e comprovei com variadíssimos argumentos que o País é que perderia com a nossa atitude. Lembro-me que demonstrei que o erro era tanto mais grave que não precavíamos a nossa saída, com homens nossos nos diferentes sectores governamentais, o que era o mesmo que irmos de barco até aos Açores e a meio caminho resolvêssemos abandonar o barco, largar todo o trabalho começado, e voltarmos a nado para o continente. Nenhum considerando convenceu o timoneiro. A atracção do abismo foi maior que a sensatez. O Professor pode ser muito inteligente, mas ele, se não tiver quem lhe aperte os atacadores, espalha-se. Para aliviar esta tristeza de factos que ainda hoje me doem porque eles são parte dos graves momentos que estamos a viver, conto um episódio saboroso, com o General Galvão de Melo, que é demonstrativo das nossas capacidades e como tomamos isso como factos sem importância. O General, várias vezes, julgo que por simpatia, elogiava as minhas dissertações. Um dia ele faz uma intervenção enorme, muito bem estruturada, com pormenores exemplificativos do que pretendia defender. Fiquei deslumbrado e não me contive. - Que oração magnifica, que belo improviso, senhor General! Galvão de Melo olhou-me com ar muito sério e respondeu: - Ó Cunha Simões, você nem imagina o tempo que me levou a decorar este improviso.
Na segunda volta das eleições para a Presidência da República. Não sei quem me enviou o convite para um jantar no Clube dos Empresários. Devia ter sido o Dr. José Ribeiro e Castro. Quase no fim de todos os discursos, quando todos cantavam a vitória do Professor Freitas do Amaral, levantei-me para morigerar o triunfo antecipado. Desmontei alguns dos argumentos triunfalistas e disse que havia possibilidade do Dr. Mário Soares ganhar as eleições. Todos abanaram a cabeça e o jantar terminou em euforia. Agarrei um braço ao Dr. Proença de Carvalho, mandatário de Freitas do Amaral, e disse-lhe: - Eu sei como o Professor nunca perderá. - Como é? - Tem de ser ele a falar comigo. Diga-lhe. Ele ganha as eleições se falar comigo. Os dias passaram. De Freitas, nada. Então vem ao meu espírito a parte maquiavélica. "Se o Freitas continua com birras, e ele, sendo tão inteligente, não aceitou democraticamente a votação do processo disciplinar e ainda continua zangado, tenho de dizer ao Mário Soares como lhe pode ganhar". Nesse momento vieram-me, à cabeça, as palavras do meu colega e deputado Reigoto, uns dias depois do processo disciplinar, que na brincadeira me dizia: "ó Cunha Simões, tu estás sempre tramado, à esquerda e à direita. Se um dia o Cunhal for Presidente da República apareces pendurado num chaparro no Alentejo e se for o Freitas nunca mais sais da prisão. Como nunca falei com Mário Soares, vi por onde andava a Doutora Maria Barroso a fazer campanha e soube que com ela estava o Engenheiro António Guterres, com quem também mantinha uma boa relação. Escrevi uma carta com perguntas e a maneira como elas deviam ser feitas, assim como as respostas contundentes que deviam ser lançadas. O Professor Freitas do Amaral não resiste à violência das palavras. É um homem extremamente delicado. Naquela época, eu conhecia-lhe bem essa fragilidade e tinha de a aproveitar para o derrotar. Pergunta-me se não tenho vergonha do que fiz? Não. Nenhuma. Tenho é vergonha do meu País ser mal governado; dos dois milhões de pobres e dos cinco milhões de semi _ analfabetos que os políticos não conseguem alfabetizar depois de trinta anos de democracia. O Professor Freitas de Amaral tem de ser um político especializado. Ele está em evidência. Não pode cometer erros. Espero que tenha aprendido. Eu simplesmente mostrei que havia mais um buraco no sistema. Os políticos portugueses não podem cometer erros. Não podem ser uns facilidades. Têm de ser os melhores, os mais inteligentes e aqueles que têm de resolver os problemas mesmo que não tenham ovos para fazer as omeletas. Houve ministros, até neste último Governo, que conseguiram resolver os problemas dos seus Ministérios e das empresas a eles ligadas. Souberam encontrar os meios. Uns ministros são mais inteligentes que outros? Não me parece. Mas uns são mais perseverantes. Não se conformam em não resolver os problemas. A imaginação é infinita e sabem utilizar a inteligência. São obstinados em resolver as tarefas que lhes estão confiadas. Põem o bem de Portugal acima dos seus interesses. São meus amigos? Conheço-os? Não. Só me meto na política porque me misturo com o povo e me revoltam as suas dores. Fui a Penamacor e como a Doutora Maria Barroso, que tinha sido minha colega na Comissão de Educação, estava sempre rodeada de povo, entreguei a carta ao engenheiro António Guterres para que fosse entregue ao Dr. Mário Soares, apesar de eu lhe recriminar a descolonização por precipitada. Como já não havia nada a fazer, e como diz o povo: " o que não tem remédio, remediado está", pela minha parte perdoei ao Dr. Mário Soares aquele desconcerto. O resultado já toda a gente sabe. Na RTP, o Dr. Mário Soares esmagou o Professor Freitas do Amaral. O bombista fui eu, não estou arrependido e confesso o crime. Não estou arrependido porque Mário Soares fez-se povo. Este povo é assim: não lhe dêem nada, mas tratem-no bem e ele já fica contente. Com Freitas do Amaral duvido. Ele só prestava atenção àqueles que ele julgava seus pares. É uma pena, porque é um homem muito inteligente. Julgo que hoje está diferente. A universidade da vida acaba sempre por se impor. Afinal todos somos iguais desde que queiramos utilizar o nosso brasão; a nossa inteligência. E é com ela que os portugueses têm de vencer todos os desafios. O Adelino era da mesma estatura intelectual do Professor, mas era de formação superior. Quando se desenhou o quadro de que o CDS ia votar contra Nobre da Costa, no mesmo momento escrevi o editorial no semanário "A Província", "Amaro da Costa versus Nobre da Costa" está em Intervenções _ Internet www.cunhasimoes.net . Ao chegar ao Grupo Parlamentar estava o Adelino a ler o artigo. Pé ante pé coloquei-me na sua frente. O Adelino preparava-se para pensar no assunto, mas quando me viu à sua frente disse-me: "Ó Cunha Simões você não tem razão nenhuma no que diz..." _ E ponto por ponto rebate as minhas ideias. No final acrescenta. "E mais, o jornal está muito mal paginado..." _ A seguir dá-me uma verdadeira lição de jornalismo. Esqueceu de imediato a zanga. O mais importante para ele era a difusão do conhecimento e do amor entre os seres humanos, por isso Adelino Amaro da Costa perdurará para sempre em todos os corações. No CDS nunca ninguém pediu segredo sobre fosse o que fosse, mas no CDS também nunca me lembro de uma fuga de Informação, a não ser a minha confissão a um padre e, embora alguns pudessem pensar que devido à amizade que me ligava ao Presidente da República isso pudesse acontecer, nunca aconteceu. Mas uma vez, o Dr. Rui Pena tinha delineado uma lei sobre a Administração Local, e o Ramalho Eanes chumbou-a. Ele estava furioso. Achava aquilo uma alarvidade, pois o Povo necessitava da lei como do pão para a boca. Irritadíssimo, ele que é um homem calmo, bom, honestíssimo e muito inteligente, gritou-me: - Vai dizer ao teu amigo a asneira que cometeu! _ Claro que acrescentou mais uns pormenores onde estavam estampadas o desalento e a indignação. A verdade é que o Ramalho de mim, nunca teve, nem sequer um desabafo enquanto foi Presidente. O País é ingovernável a vários níveis só porque os políticos não se assumem, e não têm interesse que o essencial se processe de maneira diferente porque está no sangue, desta gente, ser assim. Mas têm de mudar. Não é uma honra servir o Estado? Não é uma honra ficar na história de Portugal? Não é uma honra saber fazer nascer do pouco o muito e a felicidade? É. Então usem a inteligência, a imaginação e misturem com a honestidade, verão que todo o povo lhes agradecerá e os recordará durante séculos.
Quando há anos se fez um grande alarido por causa das viagens aéreas e do aproveitamento de que delas faziam os Deputados, eu poderia ter ido em sua defesa contando uma história passada comigo e que demonstra bem que os deputados aproveitaram simplesmente o que era "normal" para aqueles casos. Eis o que se passa comigo. Farto de viajar por todo o mundo e tendo já sofrido dois sustos aéreos, disse ao Adelino e à Secretária do Partido que não queria ir nas delegações diplomáticas onde iam deputados de todos os Partidos, por isso escusavam de me indicar. |
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