" Pedro Vassalo, no "Tal & Qual" de 17 de Dezembro de 2004 é taxativo: "O que se evita discutir é que o Presidente tomou uma atitude sem precedentes, e gravíssima, num regime democrático, ao não ter identificado uma razão que fosse para demitir um Governo empossado quatro meses antes...a terminar conclui...Calhando, o Dr. Sampaio quis fazer as pazes com o PS? Talvez. Mas se calhar apenas lhe apeteceu."

Joaquim Vieira, na revista "Grande Reportagem" de 18 de Dezembro de 2004, acrescenta: "Jorge Sampaio dissolveu a Assembleia da República não por opção constitucional, mas para resolver um problema da sua consciência pessoal...mais adiante remata...O seu discurso de justificação da dissolução não justifica coisa alguma em termos constitucionais."

O sempre ponderado José António Saraiva, no «Expresso» de 18 de Dezembro de 2004, não se coíbe de dizer: "A forma como o Presidente da República conduziu o processo de dissolução do Parlamento foi tão atabalhoada que quase deu a razão aos adversários".

António Pinto Leite, no mesmo jornal e no mesmo dia é mais virulento: "...nunca um Presidente degradou tanto as suas relações com o PSD como Jorge Sampaio. A dissolução de uma maioria estável e o modo desleixado como o procedimento foi executado constituem uma ofensa." Mais adiante acrescenta: "...é a mais dura injustiça de alguém quando o seu acto é contraditório com a sua conduta anterior. Ao Governo PS tudo foi permitido. O partido que levara Portugal ao abismo da bancarrota foi convidado a continuar a governar. Foi o PS que não quis continuar, não foi sequer o Presidente quem o impediu de o fazer. Há uma interpretação dos poderes constitucionais para uns e outra para outros. Há duas Constituições em Portugal. O Presidente até pode proceder assim, o que não pode é fazer crer que é independente e Presidente, por igual, de todos."

Perante este triste pesadelo, o Presidente, não anda bem. Como consequência, e pelas palavras de uma mulher do Povo, para quem a política é o preço da renda da casa, da água, da luz, do litro do leite, da carne, do peixe e do pão, quando o Presidente se sentiu mal, no Pinhal Novo, depois de tão exaltadamente ter falado, exclamou contristada: "ai, coitado, deu-lhe o treco".

Para entender o que hoje se passa temos de compreender o passado. Eu servirei, sempre que possível, de testemunha ou autor dos acontecimentos.

Era ainda caloiro na Assembleia da República, estava lá há cinco dias, quando o Presidente, Dr. Vasco da Gama Fernandes, me chama antes de começarem os trabalhos. E diz-me:

- Caro colega _ ele tratava todos os Deputados por colegas _ tem aqui uma carta do tribunal de Tomar para ir a julgamento por delito de Imprensa. _ Umas semanas antes, e perante a confusão reinante, eu tinha escrito, no jornal "O Templário", um artigo dizendo umas verdades aos pretensos indivíduos, que sem saber ou conhecimento, impunham todas as idiotices que lhes vinham à cabeça. Os ofendidos, que eram militares, resolveram meter-me na ordem. A mim que nunca fui militar, nem fiz qualquer guerra. _ O Dr. Vasco da Gama continuou:

- Mas o colega esteja descansado, enquanto aqui estiver, nunca irá a julgamento. Por isso, quando eu ler a carta, e perguntar ao senhor Deputado se tem alguma coisa a dizer, a sua resposta é não. O resto é com o Parlamento. Não será julgado. Não se esqueça. A resposta é não.

O Dr. Vasco da Gama era uma jóia de homem. Eu comecei a descer as escadas para o hemiciclo e, no caminho para a minha bancada, pensei: mas eu tenho tanto para dizer. Como não abri a boca enquanto ouvia o Presidente, se dissesse o que estava a pensar, não ia quebrar qualquer promessa. Foi o que aconteceu. Quando o seguro Presidente perguntou:

- Senhor Deputado Cunha Simões, tem alguma coisa a dizer? _ Eu levantei-me e respondi:

- Tenho sim, senhor Presidente.

O Dr. Vasco da Gama enfiou-se na cadeira, a sua face mudou várias vezes de cor e voltou a insistir na pergunta. Devido à minha inabalável decisão, ele suspirou consternado:

- Então faça favor.

Perante a Assembleia disse que antes do 25 de Abril tinha escrito tudo quanto me tinha apetecido, que me tinham cortado artigos, mas nunca me tinham levado a tribunal e um dos livros, o Tu cá, Tu lá era um libelo contra o que se passava de desacertado em Portugal. Provocatoriamente perguntei se afinal a democracia era antes ou depois do 25 de Abril. Disse-lhes ainda que o livro tinha esgotado, mas que eu nunca tinha sido incomodado, por isso os senhores deputados estavam à vontade para votar a minha ida a tribunal. Podia-lhe ter falado no livro "A Revolta e o Homem", mas não falei.

O que demoraria alguns minutos, teve de ser votado, e alguns daqueles rapazes, que só ali estão para fazer número, bem votaram no sim, para ir a tribunal. Mas lá fiquei para incómodo deles e para início das preocupações no CDS.

Logo que vi qual era o jogo no Parlamento, eu que não fazia nada e me aborrecia tremendamente com a ociosidade, comecei a fazer intervenções, e a opor-me aos votos, quase diários, contra países estrangeiros.

Nós não nos sabemos como nos governar, mas teimamos em governar os outros. Eu opunha-me, sempre em nome do Povo Português que é quem paga aos Deputados.

O saudoso e inteligentíssimo Engenheiro Amaro da Costa sofria imenso. Por uma questão de solidariedade tinha de votar os votos, mas havia sempre um surdo a estragar a unanimidade. Ele pedia-me encarecidamente que não o fizesse e eu pedia-lhe encarecidamente que ele evitasse os votos. Até que ele teve de dizer na Assembleia que o CDS não voltaria a aprovar votos de protesto contra países estrangeiros.

Na verdade não nos sabemos governar, nem nos queremos governar. Preferimos governar os outros. Vão ver que Durão Barroso irá fazer uma boa Presidência da União Europeia. E é aquilo que todos os portugueses, de todos os quadrantes, menos os imbecis, vão desejar.

Como as minhas intervenções eram, às vezes um pouco desagradáveis, sempre que o meu Partido era ofendido, fui colocado em duas comissões, a da educação e outra onde andava mais por fora, para consulados, embaixadas, Presidente da República, etc. Era uma maneira de não incomodar ninguém com a minha visão rural, mas também muito urbana das dificuldades do Povo Português.

Lembro-me que um dia o Deputado Veiga de Oliveira, do PCP fez uma intervenção violenta defendendo a Reforma Agrária e atacou o CDS. Na resposta, mesmo para ali não sendo chamado, fui muito desagradável. Disse-lhe que ele de Reforma Agrária devia perceber tanto como eu, que nunca devia ter cavado um metro quadrado de terra. E como Reforma Agrária eu dava-lhe uma corda e uma figueira. Claro que exagerei na metáfora. O Deputado Veiga de Oliveira era uma pessoa ponderada e bastante educado. Longe de mim lhe querer qualquer mal. O Professor Freitas do Amaral ficou aborrecidíssimo comigo, e no grupo Parlamentar não resistiu a uma reprimenda enroupada.

- O Cunha Simões, não deve proceder assim. O nosso Partido é um Partido Democrata Cristão. Os nossos actos e as nossas palavras devem servir de exemplo para todas as outras bancadas.

Eu aceitei o reparo, o Professor tinha razão, mas continuei a actuar da mesma maneira, até para resguardar os verdadeiros políticos, aqueles que não podem perder tempo a responder ou a pensar em ofensas. Como o meu tempo sobrava tinha de o gastar, ao serviço de uma boa causa, para não entrar em stress. É preferível responder frontalmente, não da maneira violenta como o fiz, do que guardar rancores ou medos. O País tem de avançar. Pactuar com o erro ou com a vozearia insana é adiar os problemas, é nunca mais ninguém se sentir com coragem para governar.

A verdade é que eu sempre respeitei os outros, mas têm também de me respeitar a mim. Eu sou português de quatro costados, mas sou da Beira raiana e costumo responder à letra a quem me ofende, desde que esteja no mesmo grau de cultura. Se for um ignorante a provocar-me...ignoro.

Numa das visitas ao Presidente da República, que era o Ramalho Eanes, este, que é meu conhecido desde os tempos de liceu em Castelo Branco, disse-me, a sós, depois da audiência:

- Estou muito satisfeito. Já tenho Governo. O teu patrão, dos nomes que lhe apresentei, escolheu o Nobre da Costa.

No dia seguinte, perante o meu espanto, Freitas do Amaral disse que íamos votar contra Nobre da Costa. Eu podia avisar o Ramalho, mas isso está fora do meu carácter. O que se passava dentro do Partido era sagrado.

Este incidente vai provocar uma forte irritação de Freitas do Amaral para comigo e teve consequências imprevisíveis, a curto e a longo prazo. Vamos aos factos. Quando ouvi a decisão do Freitas, eu não me contive e disse imediatamente: voto Nobre da Costa.

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