ANA

Não era possível fazermos os dois aquilo que gostamos. Salve-se o génio.

FREITAS

Salve-se o génio.

CAMILO

Salve-se o egoísta.

ANA

O egoísta não produz nada a favor dos outros.

FREITAS

O egoísta vive só para si.

CAMILO

E eu, não vivi só para mim? Sou duas vezes cego e egoísta. Nunca tinha pensado nisso. Razão tem o Nuno.

ANA

Não te preocupes. Amanhã já lhe passou. Basta estar sóbrio.

CAMILO

In vino veritas.

ANA

Deixo-te com o Freitas. (beija-o, - sai)

CAMILO

Que faço, meu amigo?

FREITAS

Casa.

CAMILO

É a maneira, mais suave, de subir ao calvário.

FREITAS

Deixas feliz imensa gente.

CAMILO

Grande amigo! Em vez de procurares uma solução a meu favor, juntas-te ao inimigo! (sorri)

FREITAS

Para teu sossego. Casa.

CAMILO

Lá voltas tu. Teimoso. Não te importas com o meu orgulho ferido, com o meu poder decisório. Muito bem, ilustre defensor de causas perdidas. Desta vez ganhou. Vou rever a minha ideia.

FREITAS (abraçou-o)

Chegou tarde, mas ainda vai a tempo.

CAMILO

E iria até à morte se não tivesse curiosidade de verificar qual a sensação de casar com uma mulher que eu amo há mais de 30 anos, mas que estranhamente condeno.

FREITAS

Ainda acabas por ser apontado como o inventor do absurdo.

CAMILO

Continuo um homem de brios.

FREITAS

Não o duvido. De brios e que brios?! Sempre excessivamente exagerados.

CAMILO (ri)

Depois de uma péssima disposição, conseguiste o milagre. Tiraste-me do sério.

FREITAS

Não foste tu que escreveste, no "Cancioneiro Alegre" que a seriedade é uma doença e o mais sério dos animais é o burro?

CAMILO - (ri)

Só tu, meu amigo, conseguiste o que há muito não era possível.

FREITAS

Mas também sei fazer o contrário.

CAMILO

Como?

FREITAS

Perguntando-te por que teimavas em não casar?

CAMILO

Por estupidez. Por caturrice, por mau feitio...

FREITAS

Desculpas. Andaste anos insistindo com a Ana para viver contigo, conseguiste o que querias, vives com ela há 27, que maior prova de dedicação e lealdade, podes ter de uma mulher?