ANA

Não insisto. Vem tomar um pouco de ar puro e estirar as pernas pelas veredas da quinta.

CAMILO

Já nem isso me atrai. O Freitas bem tentou, nos jardins da casa da Ramada Alta, fazer chiste comigo e mostrar que eu não me enganava nos caminhos. Mal sabia ele o receio que eu tinha dos trambolhões.

ANA

A tua obsessão por cegares, tem levado a que a doença se agrave.

CAMILO (zangado)

Não diga isso, D. Ana! (depois doce) Desculpa, não queria parecer violento. Afinal, ainda tenho algum fôlego quando pretendo ser indelicado. Desculpa, minha querida Aninhas, sou um tolo que te ama muito, mas que espirra ainda a brutamontes apesar destes anos todos de paciência, amor e dedicação que me concedes.

ANA

O amor permanece inalterado.

CAMILO

Estou perdoado?

ANA

Estás sempre perdoado. (beija-o) Temos de encontrar urgentemente quem trate dos teus olhos; seja no Porto, em Coimbra, em Lisboa, aonde houver esperança. Iremos a todo o lado.

CAMILO

E o casamento?

ANA

Adia-se. Não te preocupes. Se é o casamento que te inquieta, deixa de haver casamento.

CAMILO (com ar feliz)

És muito generosa, minha querida.

ANA

Não se fala mais em casamento. Eu nunca pensei nele como finalidade. Deve ser um acto de vontade mútua.

CAMILO

Mas você, Anica, minha querida ...

ANA

Eu posso arder nas aras do preconceito; queimada pelo harpejar das línguas menos lúcidas mas, isso não tem qualquer importância.

(entram Nuno e Jorge. Nuno, um pouco cambaleante e Jorge a cantar:)

JORGE

O sr. Visconde tem um chapéu preto da cor do Céu, foi o amigo do Porto que lho ofereceu.

ANA

O Céu normal é azul, Jorge.

JORGE

Não é nada, não é nada, que a noite está escura como breu.

ANA

Desculpa. Não sabia que está assim tão escura.

NUNO

Espera aí, Jorge. Deixa lá a cantiga. A cantiga agora é outra. Ouvi as últimas palavras. Ó pai, eu e o Jorge queremos ser filhos legítimos.

JORGE (faz momices para o irmão)

Queremos ser filhos legi..legi...

NUNO

Jorge, senta-te. Está sossegado. Está bem?

JORGE

Está.

NUNO

Quantas vezes me envolvo à bordoada por ofenderem a mãe (agarra-se a ela e beija-a, Jorge levanta-se e também se agarra à mãe e beija-a muitas vezes. Há um pequeno silêncio)

CAMILO

Sempre vivemos assim. Somos uma família muito unida.

JORGE

Muito unida.

NUNO

Está sossegado, Jorge. (vira-se para o pai). Sabes perfeitamente que não é só isso que conta. Estás farto de o escrever. Connosco tem de ser diferente, porquê? Envergonhas-te da mãe?

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