Um País que não respeita os seus cidadãos, a sua cultura, não desenvolve a sua inteligência e não satisfaz as suas aspirações por delapidação do património e má gestão do Povo e dos recursos naturais não pode ser um país a sério.

Apesar de se lamentarem do ordenado que ganham, a verdade é que os políticos lutam e sabujam arduamente para obter tão cobiçados lugares.

Agora que a Assembleia da República fechou, Dezembro de 2004 e só reabrirá em Março de 2005, com novos Deputados, aqueles que entraram no desemprego são pagos principescamente, comparado com o que produzem, enquanto que os trabalhadores do Vale do Ave e de todos os Vales do Ave, por esse país fora, quando são despedidos e perdem o emprego esperam meses para receber um subsídio de miséria e vão, em profundo sofrimento, passar os Natais, fins de ano, Páscoa e todos os dias do ano bebendo lágrimas, dor e desespero. Acham justo?

Quantos comissários políticos (aqueles que vão para as instituições tuteladas pelo Estado), Deputados, Ministros, Secretários de Estado e quejandos já estão reformados depois de terem passado pouquíssimos anos por estes lugares? Quantos? Que idade têm?

Aquilo é tão mau que ainda hoje toda a gente se lembra quando o PS pretendia vender a sede no Largo do Rato porque as dividas eram incomportáveis. Foram para o Governo e tudo se resolveu instantaneamente. Agora que o Presidente dissolveu o Parlamento, a sede do Largo do Rato já não lhes serve para as reuniões, preferem hotéis de alto luxo onde as mordomias são dignas de alguém que já se banqueteia à mesa do orçamento. Começaram a gastar à conta. Os outros Partidos, com excepção do PCP, não ficam atrás do PS. Mas este tem especial responsabilidades porque se reclama dos trabalhadores e das classes sociais mais desfavorecidas. Eles dizem isto, mas não dão hipóteses aos pobres. São lágrimas de crocodilo e, tal como diz a canção para a direita, ela também serve para a esquerda: "eles comem tudo, eles comem tudo"... sobram umas migalhas com as quais deslumbram os cegos, os surdos e os broncos nos comícios.

Os políticos têm de dar o exemplo. Salazar impôs-se pela sua própria austeridade. Hoje o povo não tem, tão-pouco, um só que lhe sirva de exemplo em matéria de contenção e de poupança. Uns vão para a neve, outros vão para a praia, outros vão para a China. Ficar em Portugal ninguém fica. Usam automóveis de alta cilindrada em preço e em cavalos. Têm casas de campo, praia e cidade. Vestem do bom e do melhor. Comem em restaurantes a preço proibitivo. Uma refeição representa o salário mensal de um trabalhador não qualificado.

No tempo de Salazar também havia um ou outro que se excedia, não muito, mas bastava que se excedesse para haver o reflexo imediato.

Eu tinha vindo de França, onde estive no Consulado Português em Paris e vim trabalhar para o turismo. Entretanto faltou gente na contabilidade, e fui destacado para lá. Tinha como Director o Dr. Ferro Rodrigues e chefe de Repartição o senhor Veloso. Como terceiro oficial, uma mulher de excepcional craveira, a Cezina Ovelha. Ela motivava todos os funcionários pelo seu saber, o sorriso brincalhão, o ensino agradável e eficientíssimo. Era uma mulher que ria das dificuldades e as resolvia com uma naturalidade que nos enchia de coragem. Isto por volta de 1961. O Secretário-Geral era o Dr. Moreira Baptista. No princípio do ano de 1962, o Dr. Moreira Baptista reuniu todos os funcionários para lhes desejar Bom Ano Novo. Fez uma enorme prelecção sobre contenção de despesas. Que cada funcionário até nos lápis devia poupar etc e tal. Ora o Dr. Moreira Baptista ia almoçar, muitas vezes, ao Gambrinus. As contas de um só almoço eram mais de metade do ordenado de um terceiro oficial. Resultado: os gastos não diminuíram e até aumentaram, sem que alguém fosse punido por isso.

Nesse ano mudei para o turismo. O Director era o Engenheiro Álvaro Roquette e o meu chefe de Repartição, o senhor Forjaz. Saía muitas vezes com estrangeiros. Eu gostava imenso do que fazia. Mas aproximaram-se os concursos para subida de escalão. Avisei que tinha de estudar por causa do concurso e por isso pedia que fosse substituído nos apoios aos estrangeiros. Garantiram-me que não havia problema pois falavam com os examinadores e falaram, mas eu fiquei em sétimo ou oitavo lugar, o que considerei uma ofensa. Sem dizer nada, e com a morte na alma, imediatamente escrevi uma carta ao Secretário-Geral pedindo a minha exoneração. Na carta, depois de apresentar as razões do pedido de exoneração terminava dizendo "lamento deixar V.Excia no meio de acéfalos (os examinadores) como os supracitados". O Secretário do Secretário-Geral era o maestro Ivo Cruz, filho. Uma jóia de pessoa, que veio ter comigo e me disse:

- Ó Cunha Simões, o Dr. Moreira Baptista manda-o chamar. Ele está furioso por causa da sua carta. Veja lá o que lhe diz, peça-lhe desculpa e tudo se arranjará.

Mas eu sou português. Sei que, quando me dá para a asneira ninguém me fará dobrar.

O Dr. Moreira Baptista quando me viu disse:

- Julgava que tinhas mais idade. Tenho aqui esta carta onde tu és muito inconveniente. Toma-a, rasga-a e eu esqueço o que aconteceu.

Eu conheço-me. Quando a ofensa é grande é muito difícil mudar de ideias. Respondi-lhe:

- Senhor Secretário-Geral desculpe, mas eu mantenho o pedido de exoneração.

Depois de várias tentativas de conciliação eu não aceitei nenhuma. O Dr. Moreira Baptista disse-me então.

- Em vista da tua teimosia sou forçado a demitir-te e tu nunca mais poderás ser funcionário de Estado.

- Vossa Excia fará o que entender, mas, se me demitir em vez de me exonerar, saiba também que a primeira coisa que farei depois de receber a carta de demissão é ir comprar dois foguetes, cortar-lhes um pouco as canas, passar pela Assembleia Nacional e deitá-los lá para dentro acesos. Hão-de prender-me. Dessa maneira poderei explicar porque cometi o acto. Claro que fui exonerado e ninguém me mandou prender.

Contei a história para mostrar que as fraquezas dos chefes dão azo a que os subordinados lhes falem de igual para igual, mesmo no tempo da ditadura, quanto mais agora nesta democracia aberta e permissiva.

O Exemplo é fundamental para que o povo respeite e acredite nos seus Órgãos de soberania e em quem os representa. É por isso que cada um gasta o que não tem, nem se importa com as consequências. O consumo continuará a disparar enquanto os estrangeiros continuarem a fiar e o Estado servir de avalista.

A degenerescência da classe político-partidária fez que, tanto Salazar como Marcello Caetano, temessem o partidarismo.

Se quisermos comparar os gastos entre o tempo em que tínhamos um Império e hoje, que somos uns pobretanas, sem dignidade e sem vergonha sempre à espera das esmolas da União Europeia verificamos que mesmo endividados até à raiz dos cabelos, e os nossos políticos se queixarem de ganhar pouco, apesar de trabalharem pouquíssimo, no tempo do Império, os Deputados eram 120, havia sete ministros e três Secretários de Estado. Os Deputados ganhavam 30 euros e os ministros não chegavam aos 50 euros. Hoje, com este país, que ninguém leva a sério, os deputados são 230. No meu tempo, 1976,77,78, eram 262. Resultado; só um terço tem alguma coisa para fazer, os outros limitam-se a marcar o ponto e a levantarem-se e sentarem-se no momento das votações.

Aquilo que mais me aborrecia na Assembleia da República era ter muito pouco trabalho, apesar da Assembleia funcionar só de terça-feira a sexta-feira.

São pouquíssimas as pessoas que fazem alguma coisa nos grupos Parlamentares, mesmo as distribuídas nas comissões. Só o Presidente e o secretário e mais dois ou três, dessas comissões, chegam para as encomendas. Os outros são verdadeiros verbos de encher. Eu tive de inventar trabalho porque senão dava em doido. Consequências: impunha intervenções e entrava nas discussões mesmo quando para aí não era chamado. Resultado, às vezes, baralhava o esquema e deixava-os furiosos. Felizmente que no CDS, éramos 42. Posso afirmar que na totalidade era gente educada e inteligente. Se fosse do PCP, a minha sorte teria sido bem diferente. No CDS, apesar dos tratos de polé com que era mimoseado linguisticamente, consegui não entrar no manicómio. Estava muito em baixo, mas ainda mexia. No entanto, ciente que não aguentaria mais quase dois anos, trabalhando a um vigésimo daquilo que poderia render, escrevi, em Janeiro de 1978, para a Escola de Santa Maria do Olival, em Tomar, informando que iria ocupar o meu lugar de Professor logo no início das aulas. Não avisei mais ninguém. Nesse mesmo ano, o Ramalho resolveu dissolver a Assembleia e já não foram necessárias outras formalidades para sair daquela casa. Contudo, durante os meses seguintes a minha actividade continuou a causar imensos problemas por variadíssimas razões. Era a maneira de defender o Povo, que me pagava, e de manter a minha sanidade mental intacta. Eu bem tinha avisado que iria como independente. O meu Partido é o meu País, apesar de eu ser um centrista natural, ou seja, defendo a direita, a esquerda e os extremos, segundo as suas razões a bem de Portugal. É o País que me interessa. Infelizmente não é um País a sério, mais devido à falta de profissionalismo de quem governa e legisla do que por responsabilidade do povo que a única coisa que pede é ser governado.

O Povo Português é, no mundo, o mais sensível, o mais cordato, o mais inteligente e o mais trabalhador, mas todas estas qualidades têm sido adormecidas, muitas vezes à força e outras por falta de chefes prestigiados e conhecedores da sua psicologia.

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