Nos últimos duzentos e cinquenta anos só dois homens se impuseram e foram obedecidos. Um, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal. O outro, o Professor Doutor António de Oliveira Salazar. O primeiro usou a força, de maneira muito violenta, mas conseguiu colocar de novo, o País, a par do resto da Europa. Foi-lhe erguida uma monumental estátua, sinal que lhe reconheceram o mérito do trabalho e da inteligência. Salazar, autoritário e nada sanguinário, governou apostando na prevenção. O País sossegou e singrou. As acusações que lhe fizeram são injustas e ingratas. Fez erros, mas fez obra. À acusação de que durante o seu consulado, de quarenta anos, foram mortas 41 pessoas por motivos políticos. No último ano, nas prisões portuguesas morreram 42 pessoas. Mas podemos comparar com outros países e verificar que, mesmo nos países ditos democráticos, e em tempo de paz, os mortos políticos atingiram números, várias vezes, muito superiores. Não falo em Estaline que só num ano mandou matar três milhões de pessoas. Mas os políticos para chegarem ao poder usam todos os métodos: os válidos e os demagógicos. Em Portugal são estes que ainda hoje prevalecem. Quem perde? Os portugueses que ficam à mercê da capacidade e da honestidade destes manipuladores da palavra para iludirem os mais ingénuos.

Assistimos assim, nos primeiros anos pós revolução, a toda a classe de oportunismos, de ameaças, de mortes por brigadas "democráticas" e revolucionárias.

O Povo Português é um povo feliz, bem disposto, alegre, mesmo quando não tem tudo quanto os políticos usufruem. O Povo português não deve ser subestimado. Deve ser ajudado.

Depois da entrada da Inquisição em Portugal, do desastre de Alcácer _ Quibir, da reivindicação, da família espanhola, pelo direito a governar o reino de Portugal devido à beata idiotice de um garoto teimoso, seguiu-se a incapacidade dos Filipes e a razia ultramarina. A coragem, deste Povo, esboroou-se. Compreendeu que não podia acreditar em ninguém. Mesmo assim aceitou apoiar os conspiradores de 1640 e entregar-se nas mãos de alguém que tinha nascido nos campos portugueses. O esforço foi sobre-humano. Quando começava a levantar a cabeça veio o terramoto de 1755. Volta a pôr à prova a sua determinação e a vontade de viver, mesmo contra os elementos naturais, em fúria. Conseguiu erguer-se devido à mão férrea de Sebastião José de Carvalho e Melo. Voltou a acreditar em si. Mas o destino continuou a pregar-lhe partidas. A Revolução Francesa exigiu uma traição ao Aliado mais antigo. Os Portugueses são gente de honra. Não aceitaram a imposição e a mando de Napoleão, os generais, seus lacaios, invadem o País, instalam-se, comem e bebem à francesa, matam e roubam descaradamente. O próprio Junot faz mão baixa da Bíblia dos Jerónimos, resgatada à viúva, por sonante metal. O rei foge para o Brasil e lá ficaria se aqueles que cá permaneceram soubessem governar e tivessem espinha dorsal. Mas aqueles que governam inseguros preferem a canga. Não têm a certeza do seu valor e da sua força. Gostam de morrer acompanhados. Exigem que o rei volte. Com a sua descendência volta a violência e a morte de milhares de portugueses, cujo único crime era ser ignorante e por isso paus-mandados.

A força da gente que tinha criado, a partir do zero, um País, em 1143, continua a degradar-se. O desinteresse pela coisa pública tornou-se geral, o seu desencanto transformou-se em apatia, as suas crenças voltaram-se para as crendices. Acreditaram que não valia a pena ralarem-se com coisíssima nenhuma porque dos pobres era o reino dos céus. Não gozavam cá, gozavam lá. A ignorância, em vez de diminuir, voltou a aumentar.

Desesperados, por enganos sucessivos, matam os reis, eles que são dóceis e amáveis. É o desalento que os faz tomar atitudes violentas.

O português só reage assim quando acossado, quando não tem outra saída. O Sol, o clima, a Natureza onde vive moldou-lhe o carácter. É um ser sem maldade, sorridente, prestável. Só os governantes não prestam. Incham quando entram para aqueles cargos. Dão-se ares. Tornam-se pessoas importantes e intragáveis. Fazem o tirocínio no Governo e passam a administradores de empresas. Continuam a pensar serem gente importante. Mas só o são, na realidade, se servirem o Povo.

Depois dos reis, os portugueses, acreditaram nos Presidentes e na República, mas rapidamente constataram que a melhoria de vida nunca mais aparecia.

Primeiro avisaram os governantes através de greves: 237 entre 1910 e 1911, aguentaram sovas monumentais. Afonso Costa, homem de largas promessas, de palavra fácil, da revolução e da democracia, tenta pôr-lhes cobro. É acusado de racha sindicalistas. Muitos pagaram com a vida a ousadia de levantar a voz. Como, a bem, ninguém lhes dá qualquer crédito, entram no disparate; matam, em 1917, o Presidente Sidónio Pais. Mesmo assim não são compreendidos. As revoltas são constantes e os mortos aos milhares. Em 1921 desfazem selvaticamente vários políticos. As vítimas são António Granjo, que tinha sido Primeiro-Ministro; Machado Santos, José Carlos da Maia e o coronel Botelho de Vasconcelos. O povo perdera a paciência, a fome obliterava-lhes qualquer sentido de respeito ou de dever. O empobrecimento e o embrutecimento do País eram gerais. A situação, catastrófica. O povo exige alguém que o governe. Já nem se importava que o governassem em Ditadura, o que ele queria é que alguém pusesse termo à fome, ao caos, e às revoluções diárias onde os mortos eram sempre muitos. O Povo exigia alguém que o governasse, lhe desse tranquilidade e lhe assegurasse o pão para os filhos. A acalmia voltou finalmente. Mas há sempre os insatisfeitos. Não era aquele governo que ambicionavam, preferiam um de que eles fizessem parte ou pudessem influenciar. Mas nas lutas não se metiam, deixavam que os mais pobres e os mais ignorantes servissem de carne para canhão e se continuassem a matar uns aos outros. Em 28 de Maio de 1926, o General Gomes da Costa derruba o Governo presidido por António Maria da Silva. A presidência é entregue a Mendes Cabeçadas, que governa em Ditadura. Nesse ano é reconfirmada a censura à imprensa. Quando Salazar entra no Governo para a pasta das Finanças, limita-se a aceitar as regras e a avisar. "Todos os sacrifícios são necessários. Sei muito bem o que quero e para onde vou". "O País estude, reclame, discuta, mas obedeça quando se chegar à altura de mandar".

Neste gravíssimo momento em que nos encontramos. O País teima em não estudar. Teima em não se organizar a nível do trabalho. Aprendemos a reclamar, mas não sabemos como o fazer racionalmente. Reclamamos por tudo e por nada. Obedecer, poucos obedecem, porque ainda ninguém aprendeu a mandar.

É confrangedor comparar esta gente, que hoje nos governa, com Salazar. Vai tudo ficar zangado comigo. Que fiquem. Podem até mandar levantar a forca, mas eu tenho de constatar este facto simplicíssimo. Salazar levantou, em poucos meses, um país depauperado por guerras e revoluções durante dezasseis anos. Nós temos vivido em paz, estes últimos trinta anos, e não há ninguém que ponha as contas em dia? Como é? Afinal Salazar era um génio e todos os Ministros das Finanças, pós 25 de Abril, não passaram de meros contabilistas apesar de Salazar e Caetano lhes terem deixado os cofres cheios? O que se passa?

Marcello Caetano continuou o progresso calculado; assistiu-se à melhoria social com a atribuição de pensões aos trabalhadores rurais e às profissões mais modestas. A sua honestidade também não foi posta em causa.

Com Marcello Caetano há um salto efectivo na qualidade de vida dos portugueses. Ele ama e acredita no povo que o aclama e lhe fala naturalmente. As fotografias da época são elucidativas. Mas tudo cansa, e, sem preparação credível, uma revolução de acaso, que tinha por objectivo uma reivindicação salarial, transformou-se numa revolução política.

Marcello Caetano conhecedor do evento não o trava. Também ele estava desiludido e incapaz de mudar o rumo a um país que não o queria tomar.

No Quartel do Carmo para onde o levaram, o hoje coronel Chartier Martins, recorda a sua atitude, sempre serena, em contraste com aqueles que o rodeavam. Sentia-se que ele sabia o que queria fazer e perante as propostas mais díspares para sair daquela situação e uma delas era para sair por um corredor que o levaria bem longe da multidão que começava a chegar, a sua resposta foi, com um sorriso natural e nada nervoso: "O Primeiro-Ministro não anda pelos telhados. Sei qual é o meu dever. Entrego, naturalmente, o poder a quem o receba com dignidade e saiba defender Portugal". Feitor Pinto serviu de intermediário e o general Spínola recebeu a herança de um País com oitocentos anos recheados de história.

Marcello Caetano tem esperança que a revolução traga a solução. Américo Thomás, não lhe perdoa esta decisão.

O Professor Marcello Caetano, em carta, que me dirigiu em Novembro de 1978, e em resposta a outra carta minha: por que aceitou ser Primeiro-Ministro e lá continuar..., e que reproduzi no livro "Crónicas da Província e Intervenções Parlamentares", Internet: www.cunhasimoes.net ; está em "Intervenções", diz a certa altura:

"...foi isso que me permitiu aguentar cinco anos e meio o regime e fazer um esforço para salvar o que fosse possível, no meio da cegueira dos políticos, da recusa de colaboração dos adversários ou dos reticentes, do egoísmo dos capitalistas, da estupidez da alta burguesia, das ilusões dos intelectuais irresponsáveis, da manobra da Igreja preocupada em não perder algum comboio vindouro e a braços com o problema ultramarino que no país a direita se recusava a compreender da única forma possível e que a ONU não deixava resolver pela única maneira que seria admissível para Portugal..."

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