O Professor Veríssimo Serrão, numa interessante entrevista concedida à jornalista Paula Oliveira, no suplemento de sexta-feira do Diário de Notícias DNa de 17 de Dezembro de 2004, evidencia bem o carácter impoluto de Marcello Caetano. Para além de todas as referências que lhe faz, bastar-nos-ia saber que, Veríssimo Serrão, um dos mais probos historiadores portugueses, não hesita em declarar: "Aprendi com o Professor Marcello Caetano a ser humano e justo" Isto diz tudo. Para termos a certeza absoluta que o Homem que os "revolucionários" vexaram, era um Português, muito inteligente, que amava extremosamente a Pátria e que tudo tentou para melhorar as condições de vida dos seus compatriotas.
Os políticos, chegados à pressa do estrangeiro, prometiam liberdade, pão e dinheiro para todos. Logo no primeiro mês, o português mais culto, viu que as coisas não iriam correr bem. Aguentou a vinda de centenas de milhares de irmãos que abandonavam precipitadamente territórios onde a maioria tinha nascido. Disseram-lhes que assim, os outros, os irmãos de cor se sentiriam mais confiantes. Resultado: assistiu-se à descolonização mais vergonhosa que alguma vez aconteceu na história mundial. Isto tem de ser dito. É escusado escondê-lo por mais tempo. Toda a gente o sabe e ninguém quer cobrar seja o que for. Os políticos falharam redondamente, mas os portugueses brancos e muitos pretos regressaram sãos e salvos, enquanto os descolonizados se matavam sem qualquer razão ou pela simples razão de os nossos políticos, mal preparados e precipitados, não os terem habilitado para se saberem governar. Como desculpa, indecorosa, sem sentido e sem necessidade, acusavam Salazar por tudo quanto de errado eles faziam. Sacudiram a água do capote e usaram a ignorância do povo para o enganar, para o iludir. Leia-se a entrevista do Professor Veríssimo Serrão, atrás mencionada.
O 25 de Abril de 1974 foi recebido com naturalidade por 90 a 95 por cento da população portuguesa. Ninguém ficou preocupado com o que acontecera. Tudo parecia natural e a vida iria continuar, na sua pacatez, com a mudança do regime. Passadas as primeiras 48 horas tudo se transformou. Os cordeiros do dia anterior transformaram-se em alarves, que debitavam tudo aquilo que lhes vinha à cabeça. O país transforma-se, de um dia para o outro, de um país sereno, pacífico, num campo de arruaceiros perigosos, que viram aqui uma oportunidade de ainda fazer menos do que já faziam. Se em Ditadura, da qual ninguém falava, e poucos saberiam o que era, já só faziam o que lhes apetecia, agora em liberdade só trabalharia quem fosse tolo. Foi assim que este País passou de um país de liberdade condicionada, para alguns, a um país onde o desaforo, a inconsciência e a libertinagem ganharam asas. Para dar alguns exemplos dos milhares que podia citar vejamos o comportamento deste povo, de baixo e de cima, "que nem se governa, nem se deixa governar", mais por incapacidade dos governantes do que por resistência dos governados. Todos procedem como as crianças, aproveitando as facilidades para só fazerem o que lhes apetece. Muito antes do 25 de Abril percorri toda a Europa, enquanto estudante, viajando à boleia, pois sentia-me muito mais limitado e intimidado em França, na Alemanha, na Inglaterra, ou na Noruega, etc, do que em Portugal. Ali as regras eram para cumprir, enquanto em Portugal cada um fazia o que lhe apetecia: Durante algumas páginas carimbarei na minha pele, a pele de todos os portugueses, para, também eu próprio compreender, se aquilo que o português faz está sujeito às leis do destino, ou se somos os mais livres do planeta, aqueles que vivem no País mais amável, mais rico de imaginação e mais harmonioso do Universo, mas que só tomará juízo lá para 2050, a menos que seja entregue a gestão deste País de amadores, e do seu incipiente trabalho, a mulheres e homens sabedores e conscientes de que governar Portugal não significa governarem-se a eles, mas terem a obrigação de governarem bem a Terra Lusitana. O País destina-lhes o galardão da fama que é a maior honra que o ser humano pode receber. Assim serão poupados anos de incertezas e muita dor e sofrimento.
Poucos dias depois da revolução, começou o desvario. Se éramos livres, cada um podia fazer o que quisesse. Foi o que aconteceu. A polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana perderam toda a força. Eram alvos dos mais execráveis atropelos. Eu, a partir dos meus catorze anos tinha deixado de acreditar nas suas virtudes por me terem multado injustamente, a mim e a mais quatro amigos. Por isso mesmo, no meu segundo livro, "Tu cá, Tu lá," www.cunhasimoes.net publicado em 1962, não perdi ocasião de os depreciar. Depois esqueci, mas nunca mais tinha voltado a olhar um polícia como um amigo. Vivia em Tomar, onde era professor de Português, Francês no Liceu. Ia beber o "suave veneno" ao Café Paraíso. Ao sair, normalmente, ficava, uns minutos à porta, na cavaqueira, e o que vejo? Eu e as outras pessoas que aí estavam. Quatro rapazes, do outro lado do passeio, começaram a cuspinhar para cima de três polícias que passavam. Os homens nem se viraram para eles. No dia anterior um polícia tinha sido desarmado, e a arma, até hoje, nunca foi devolvida. Eu pensei para comigo: "eu não morro de amores pela polícia, mas aquilo que está a acontecer vai desaguar no mesmo caos e na mesma desgraça da Primeira República". Fui para casa e telefonei ao Presidente da Câmara, o Sr. Luís Bonnet. Não lhe contei, no momento, o que tinha presenciado, mas disse-lhe: - Caro Presidente, como tenho visto alguns turistas estrangeiros, em dificuldades para se entenderem com as autoridades, proponho-me ensinar Inglês e Francês, durante quatro meses aos polícias. Que acha? - É uma óptima ideia. Agradeço-lhe a disponibilidade, mas tenho de falar com o comandante do posto pois só ele pode aceitar ou recusar. Ele telefona-lhe. Durante quatro meses ensinei o Inglês e o Francês, mas todos os dias, e pelo meio das lições, eu incentivava-os a cumprirem o serviço, a não terem medo da população, porque a população queria ordem, paz, sossego, estava com eles. A partir do primeiro mês de aulas a harmonia voltou à cidade porque a polícia não se escusava de actuar. Por outro lado eu não prescindia de escrever artigos contra as greves. Não pelas greves em si, mas porque os trabalhadores deviam receber dos sindicatos, os dias em que andavam de corpo ao alto e a bradar contra tudo e contra todos, mesmo contra aqueles que estavam a favor deles e sempre tinham sido pessoas honestíssimas. Como eram patrões...tudo apanhava pela mesma tabela. É muito triste a ignorância. Alguns desses infelizes grevistas acabaram por se suicidar porque as fábricas fecharam. Eles ficaram sem emprego e sem dinheiro. Não resistiram à vergonha. No Liceu os alunos andavam excitadíssimos. Mesmo os miúdos da primária, como naquele tempo se chamava, apercebiam-se que, agora, eles também mandavam. O meu filho mais novo, tinha 7 anos, foi sempre pacato e educado, mas numa altura em que a professora lhe ia dar um tabefe, ele agarrou-lhe a mão e disse: "Não, não. Eu agora sou livre". Se a própria professora não o tivesse contado, eu não acreditaria. Os alunos do Liceu, especialmente os do MRPP, eram engraçados, mas impossíveis. Tornavam a vida difícil tanto na escola como fora dela. Um dia, descia eu do segundo andar, depois de acabada uma aula, quando cinco MRPP sobem as escadas em correria, empurrando todos os que desciam. Gritam-me: "deixe-nos passar, professor, os militares vêm para nos prender". Uns segundos depois vejo um sargento de metralhadora em punho e mais três soldados que galgavam as escadas preparados para apanhar aqueles irreverentes aprendizes de políticos. Estendi os braços do corrimão à parede. O Sargento, cuja cara estava picada pelas bexigas, tinha um ar ameaçador e, por querer ou sem querer, devido à cólera, encostou-me a arma à barriga. Eu, calmamente disse-lhe. Só depois de me matar fica com o caminho livre. Isto é uma escola. O homem caiu em si. Gaguejou uns monossílabos, voltou as costas e foi-se embora. A partir desse momento, todos os jovens me começaram a olhar como alguém em quem podiam confiar, apesar da minha relação com eles ser de firmeza. Enquanto o Pocinho, o Mourão, o Margarido, e outros mais que não recordo, faziam comícios nas turmas, sempre que lhes apetecia, quando chegavam à minha nunca lhes dei autorização. Eles diziam uma graça, mas não insistiam. Era perda de tempo. No ano seguinte mudámos para uns pavilhões novos, na Escola de Santa Maria do Olival. Passei também a dar Jornalismo. Um dos meus alunos, o José Gomes Ferreira, é hoje um bem sucedido director da SIC. Chamo o jornalismo à colação para mostrar como o improviso, por vezes é desastroso. Pelas direcções das escolas foram indicados os professores de Português ou de História para dar aulas de jornalismo. Começaram as aulas e só no mês seguinte tivemos um pequeno seminário com o Dr. Adriano Rodrigues. Entre as dezenas de professores que aí se encontravam, lembro-me de duas colegas de história que diziam, sem rebuço, que não gostavam de ler jornais. Que nunca tinham lido um jornal sequer, mas que tinham de dar as aulas. Este é o país em que vivemos. É o país do improviso, do deixa-andar, do não te rales, da falta de especialização e depois admiram-se que os jovens continuem este desinteresse. |
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