NOTA PRÉVIA
Publicado em 1967, “De Extremo a Extremo”, continua o estudo sobre a
contradição do homem. Pela boca de Tomás da Fonseca soube da libertação do
filho e não resisti a dedicar-lhe o poema, que ele considerou perigoso. Para o
escritor, para o poeta não existem perigos. Existe amor, solidariedade,
compreensão pelas ideias de cada um.
Devido aos constantes pedidos do livro, e não tendo intenção de o voltar
a publicar, coloco-o na Internet à disposição dos mais curiosos.
DE
EXTREMO A EXTREMO
Tal como o céu
varia as suas cores, assim como ele apresenta um aspecto carregado ou a face
brilhante de um Sol esplendoroso, também o Homem tem os seus Invernos, as suas
primaveras, os seus verões e os seus Outonos.
O pensamento
do Homem varia com o rolar dos anos: é santo, é místico, é descrente, é
revolucionário é reaccionário.
A
personalidade é feita de milhões de ingredientes. Não nos podemos admirar que
hoje pense de uma maneira, amanhã de outra. Ele vive sob a Natureza, e todo
aquele que não é influenciado por Ela tem de percorrer a vida sobre um colchão
de bajulações, de reverências e de mentiras.
INCOMPREENSÍVEL
Tudo está feito.
Nada há a descobrir.
A terra é imensa.
O mar é imenso.
O universo é infinito.
Atingem-se os outros planetas.
Mas, perante tanta grandeza,
O homem vive rastejando
No meio do mato, sob o comando
Do acaso e de ignorância.
ESTE CORPO
Este corpo, pobre corpo!
Deram-mo trocado.
E, agora, a quem pedir contas?
A quem perguntar:
Por que não fui gerado
À medida do meu pensamento!?
A H U M A N I D A
D E
Pobre humanidade!
Como a lamento!
Que pensamentos vazios
Em cada cabeça!
Todo o louco lança sentenças
E eis as guerras, as destruições,
Os miseráveis e os histriões.
Pobre humanidade! Pobre humanidade!
I N C O N S C I E N T E S
Os escravos vão-se perdendo.
Ficavam dispendiosos,
O rendimento não compensava
Ter com eles tanta maçada
E sofrer enxovalhos sem conto.
Deu-se-lhes carta de alforria.
E, eles vivem em euforia
A sua desgraça de inconscientes.
A HONRA
Os meus sonhos infantis
Tinham milhões de esperanças
Via-me sempre em abastanças
Com honras.
Hoje, os tempos mudaram;
A honra, lá vai ficando,
Mas desses sonhos ideais
Estragaram-mos os mortais,
Moribundos vão estando.
A IGNORÂNCIA
A ignorância, infeliz, pertinaz
Foi falando a seu belo prazer.
Mostrava a todos o seu fátuo saber
E como de ignorantes se rodeou
Em pouco tempo foi conquistando
Simpatias gerais, muitas afeições.
Assim, ao ser descoberta,
Ninguém teve coragem e foi capaz
De expulsar tão gentil conversadora.
A L M A
Estes reflexos espontâneos
São difíceis de explicar!
Por vezes, tento estar calado
E aí me ponho a falar.
Mesmo que não acreditasse
No imaterial invisível
É difícil, quase impossível,
Na alma não acreditar.
A RAZÃO
Quando olho os tempos passados,
Esses vulcões de erros e parvoíce,
Sinto-me vexado pelo que fui.
Rebolei-me, refocilei na imundície.
Criança com ares doutorais
Dava ordens imbecis aos demais
E era obedecido cegamente.
Os anos, rolando, passaram.
Apaguei da memória a vergonha,
Construí um novo mundo,
Segui a voz da razão.
OS LOBOS
Vesti-me de todas as roupas,
Usei todos os estratagemas para agradar.
Dei-vos benesses impossíveis
Aquilatei esperanças.
Tudo em vão, tudo perdido,
A vossa fome é tamanha
Que, quanto mais comeis, mais desejais!
O AMOR
Quem te poderá cantar sem nunca te ter sentido?
Tu és a mistura clara e pura
Entre a alma, o corpo e o pensamento.
Amor que nasceste da espontaneidade
Sem filtros, sem drogas, sem perfumes.
Aos poucos e poucos conquistaste a humanidade.
Hoje, quase não te conheço;
Tal qual como as aves, cansadas de voar,
Vais perdendo forças no teu doce murmurar
E sem saber, criaste um novo amor.
AO M. POPPE
Eu conheci, o Poppe, ainda criança.
Cresceu, requintou as maneiras,
Arranjou belos casacos, novas botoeiras.
Quando o tornei a encontrar,
O Manuel, já não era o mesmo!
Abracei-o como a um irmão querido.
Então, o Poppe lançou o criançal vagido
E era ele mesmo. Só o fato mudara.
P E R S E V E
R A N Ç A
Desesperado, desfeito nas mãos do tempo
Ouvia gargalhadas atrozes, reprimidas;
Via, em cada cara, penas fingidas,
Que rindo mostravam desalento.
Lutei, lutei com todas as forças;
Aliei-me aos puros, às gentes moças,
Para alcançar, lutando, a bem aventurança.
Riram-se de mim os mais descarados,
Julgando-me perdido.
Mas vencera, aliara-me à perseverança.
CONTAR E
CONTAR
Quando pela noite chegam as estrelas,
Tenho conversas felizes, prolongadas;
Conto-lhes dissabores, coisas passadas
E, elas ouvem-me com inquietação.
Contínuo a contar, a contar pausadamente
E no seu olhar sinto a luz ardente
Que empalidece e vai chorar.
Então, conto-lhes histórias leves
E elas compreendem-me.
AO M. G.
Tu, idiota grosseiro
Que me ensinaste o teu modo de ser;
Essa bárbara visão do infinito,
Esse teu jeito impotente de vencer.
Para ti, pobre louco de ilusões,
Que pensas ganhar o mundo,
Enganando o mundo.
Para ti vai a minha tristeza.
AO M. S. G.
Podia fazer-te sofrer mil injúrias
Renegar-te do convívio habitual,
Mas para quê levar a mal
Esse teu gosto imbecil, irracional,
Se tu não compreendes o teu erro?!
Não guardo rancor contra o parvo,
Nem tão pouco ao menos avisado.
Perdoo-te e esqueço, como perdoei
A este mundo onde entrei
Sem pedidos e sem favores.
AS IDEIAS
As ideias fugiram-me, morreram,
Não tenho mais lume no olhar.
Foram-se embora, desapareceram.
Noivas do ideal e do pensamento
Que vos casais de momento a momento
Voltai à minha triste prisão.
IDEAL
Ofereci-te loucos poemas;
Rosas, muitas rosas vermelhas,
Onde, em cada pétala, iam suspiros
Em cada pensamento uma flor.
Tudo negaste, riste do ideal,
Do meu sonho
Onde existia uma c’roa de loiro.
Para ti, o ideal, não existe,
Vulgarmente, nele cuspiste,
Só desejavas oiro e oiro.
A AMBIÇÃO
A ambição perdeu-se
Por caminhos estreitos,
Quis atingir os cumes
Atingiu as cumeeiras.
Mas os homens são rudes
Nas suas ínvias maneiras;
E, o pobre, que era feliz,
Deixou de viver em paz.
CALÚNIA
Ouvi caluniar-me.
Não sei a quem, não sei onde.
Ouvi, passei, calei-me.
A calúnia calou-se
Pelo esquecimento.
CUIDAR
As inteligências são universais
E riem dos néscios ignorantes;
Vêm-se rodeados de animais
Que por acaso são pensantes.
Quem cuida sem cuidados
Alguma desilusão vai ter
Porque o ignorante é esperto
E quando ofende, faz doer.
A MENTIRA
Correu, a mentira, a cidade
Lesta como um pé-de-vento,
Mas, em breve, veio a verdade,
Que sem querer e sem maldade
Descobriu todas as patranhas.
O mentiroso, vexado,
Não resistiu coitado.
Se antes vivia dificilmente
Agora piorou, evita toda a gente.
COM AMOR
Olhei-vos a todos com amor,
E vi tantas inimizades,
Que senti grandes saudades
Dos inimigos declarados.
Peço-vos amor;
Por quê, tanta hesitação?
Tanto ódio?!
O CRENTE
INACABADO
Cego e maldizente, o crente,
Esquece as boas normas aprendidas.
Vende o bom espírito pelo mau burel
Torna-se espelho claro de novo bordel,
Insulta o mundo, grosseiramente.
Arranca da cabeça os últimos pêlos,
Dá urros de loucura, grandes, como cerros
E, num momento, deita a perder o homem,
Que durante anos de inibições, refreara.
D E S E S P E
R O
Perante a miséria que me rodeia
Sinto a dor arrastar-me ao infinito,
Leva-me um turbilhão na sua ideia
E tenho na mente, que sou maldito.
Mas perante a ignorância desenfreada
Que ri alarvemente do bem e do mal
Abre-se-me, na consciência, a vala
Do mistério do mundo, do infernal.
Já as crianças perderam a sua graça
E o amor deixou de ter o seu sabor
Ao beber da virginal taça
Nesse teu corpo de pudico amor.
P O B R E S
Dizem os pobres felizes,
Os que têm pão.
Invejam-lhes a alegria,
Os risos francos, brutais.
Os cantares dolentes, sensuais
Que a promiscuidade ensina.
Porém, nunca encontrei, nunca,
Quem trocasse palácio por espelunca.
O REI
Sou o rei do Universo.
Tenho Sol e estrelas a meus pés.
As árvores e os animais são meus.
Falo às pedras
E aos galos dos campanários.
Porém, quando os desejos
São largos, ambiciosos;
Olho o Universo, os rios, as pedras,
E com um sorriso ideal
Esqueço impossíveis, vivo feliz.
OS ELEITOS
Porque me olhais odiosamente?
Porque não me aceitais como sou?
Que mal fiz eu?
Sois vós, os profetas do Senhor?
Os novos apóstolos, os eleitos?
Então porque me olhais assim?
Eu só procuro, um pouco de amor.
O LIBERTO
A
Tomás da Fonseca.
Esfarela-se o cristal,
Na mão boçal do tirano;
Rompem-se as noctívagas cadeias
E o Sol deslumbrado reaparece.
O pai olha o filho, amostra do que
fora antes.
Grita-lhe, o peito, blasfémias malditas
Tremem dos campanários as criptas
E o eco repete:
Meu filho! Meu filho! Que te fizeram!?
Mas o Sol, alucinado, não o ouve.
“Meu pai, meu pai sou livre… livre!
Abençoados e felizes aqueles que
Ressuscitam gritando: Liberdade, Liberdade!”
S O N H O S
Os sonhos do poeta são imortais.
Voam nas asas divinas, criadoras,
Têm o cunho das longas profecias;
Novas auroras a despontar nos dias,
Ideias geniais de paz, imorredouras.
Lança o grito a todos os recantos,
Não teme o déspota nem os santos
Porque o seu amor é universal.
A sua pátria, é todo o mundo,
E todos os homens são seus irmãos.
P O E S I A
Não sei que te encontro, poesia.
Foges dia a dia do caminho traçado.
E, quando te quero compreender, não posso.
Os poetas dizem que evoluíste.
Olham-me de revés
Num insulto de incompreensão
Que me esforço por não entender.
Poesia, só a ti peço graças
Que me contentem.
E, se não és a poesia que eu sinto,
A verdadeira, a da época actual,
Tu desculpa, mas dizendo-te assim,
A minha dor nunca cresceu,
Nunca foste só da multidão, sinto-te minha.
Se estou errado, tu desculpa, poesia!
O MORALISTA
Meus desejos loucos!
Meus pensamentos loucos!
Minha loucura congénita.
Se dissesse o que penso
Seria o moralista universal.
Mas nada posso fazer!...
Os meus actos, não são iguais
Às palavras lindas que teria
Para conduzir o mundo.
O IDIOTA
Que feliz, ele parece, o pobre diabo;
Cara prazenteira, sempre sorridente
Mostra os dentes alarvemente
Em algo que não vê mas o diverte.
Loucos, idiotas, ou dementes,
Como sois felizes!
Passais pelo mundo sem criar raízes
E viveis como árvores ou pedras falantes.
AS ILUSÕES
Possuí
propriedades sem conto.
Deus veio à terra para me falar.
As pessoas rasgavam-se em adulações.
Tudo olhava, a tudo sorria compassivamente.
Interiormente dizia-me: sou um bom.
Faço volver e revolver os corações,
E, nem assim, sinto tentações
De fazer mal.
E tão admirado estava comigo,
Que nem senti que o anjo do céu me levava.
Tinha morrido, só viviam as ilusões.
O JULGADOR
Julguei-me o crítico mundial,
O sábio conhecedor dos humanos.
Percorri léguas e léguas dando
Os meus conselhos as minhas opiniões.
Mas as multidões não melhoravam
Perante os meus ensinamentos.
Desgostoso, retirei-me pensando
Só em mim, o bom, o justo.
E vi que eu não era bom e justo.
O meu egoísmo não me deixava ver
As minhas faltas do dia a dia.
Ah! Por isso, o mundo, não me ouvia.
O JUSTO
Não tentes o mundo com tuas riquezas,
Não os convenças das tuas posses,
Não abras arcas nem adoces
Com migalhas as suas fraquezas.
O justo é o pecador reformado
Tentando salvar-se enquanto é tempo.
Mas, se o cofre e a bolsa deixas abandonado
O justo é capaz de não resistir.
REI EFÉMERO
Adorado como um rei
Com honras de grande senhor,
O oiro cria escravos
Contra todas as consciências.
Tenta santos e doutores.
Ë difícil resistir-lhe
Mesmo aos santos maiores.
E, quem nas garras lhe cai
Tarde ou cedo se arrepende
Porque só tarde compreende
Que não valia a pena.
O SABER
Oh saber, desinteressado e puro!
Já não és “tabu” do homem maduro
Mas sim, o encanto da juventude.
Conhecer, saber, procurar, pesquisar
Nos vastos céus ou no profundo mar
É o desejo do jovem, é a sua virtude.
V A I D A D E
S
Os tesoiros mundanos,
As jóias, os rubis,
Os casacos de peles!
Não são mais que enganos
De fictício valor.
D E U S
De joelhos, ao teu céu implorei
Não sei o quê, já não sei.
Mas o teu sorriso sem igual, Deus,
Deixou-me louco por momentos,
Larguei aos ares os lamentos
E entrei no teu corpo, imaterial.
À GRAÇA
Os braceletes doirados que ofereci
Para mais ninguém seriam, só p’ra ti
Que me deste uma segunda vida.
Enlaçados nas tuas negras tranças
Pareceremos eternamente crianças
Que viemos ao mundo, de fugida.
ANDREIA
O mundo é um lago florido
Onde tu entras plena de vida.
E o tempo, parando para te dar entrada,
Abriu a porta grande, até então fechada.
P E R F E I Ç Á
O
Não são as palavras, são os exemplos
Muito melhor que os templos
Mesmo que seja lindo o dourado.
O homem é a beleza infinita!
Mas tem de ser justo e honrado.
PARA QUÊ?
A morte espreita em cada esquina.
E todos são chamados:
Culpados, ou não culpados;
Reis, pedintes, santos.
Para quê invejas, ingratidões, enganos,
Se neste mundo só idealizamos um pouco
Dando-nos, o tempo, vinte ou sessenta anos?
MEDO INFELIZ
Tenho medo de morrer
Por na vida não ser
Algo mais que nada,
Um pouco menos que tudo.
Tenho medo, um medo infeliz
Da vida morte
Que me traz acorrentado
Às descrenças, às desilusões!
N I V E L A M
E N T O
Tinha propriedades sem conto
Riquezas nunca vistas.
Os amigos eram aos milhares
Diziam-me coisas lindas, erguiam-me altares.
Em festas e reuniões gastei loucuras.
Mas a doença apareceu e tudo levou.
Sim, mesmo os amigos!
Agora, só de caridade vou vivendo.
Mas o meu egoísmo, a minha vingança,
Será encontrá-los; a todos, ricos e pobres,
Iguais, nivelados pela morte.
O DUPLO
Por vezes o ódio, a zanga
Está em mim, tem-me, possui-me
Torna-me diferente do habitual:
Do cordato, do nobre racional
Que me prezo de ser.
Nessas alturas fico louco,
Irrito-me, blasfemo
E, pergunto-me, serei eu afinal?
AUTO – CONFIANÇA
Confiei em mim,
Não ouvi conselhos nem advertências.
Era o novo Deus, o salvador.
Julgava poder conduzir o mundo
Com a minha palavra.
Mas, oh, perfeição efémera e falaz!
Os homens riram-se de mim
Atiraram-me pedras sem rebuço
E, eu recuei envergonhado.
O MUNDO IDEAL
A felicidade baseia-se na justiça,
O amor é o fruto universal.
Colhei-o, docemente, de boca em boca,
E eis a terra, o mundo ideal.
NA MINHA
SEPULTURA
Vós que me olhais nesta campa sem expressão,
Julgando-me infeliz e lamentando-me
Escondei as lágrimas e as tristezas.
Se tendes que chorar, chorai.
Mas conhecei que vivo
O encanto da eterna felicidade.
E P I T Á F I 0
A
J. CABAÇO NEVES
Amigo sincero que a morte a todos roubou
Foi justo, foi recto, foi puro, foi bom.
E só por isso, o nada invejoso,
Tão cedo do mundo o levou.
APARÊNCIAS
Não somos não, aquilo que aparentamos.
A vida produziu, em nós, tantos danos
Que a morte ri sinistramente.
E nós, em gargalhadas brutais, alvares
Entramos na dança macabra, aos pares
Alimentamos com prazer, a goela hiante.
O SER PARADOXAL
Olha-nos o ser superior
Com soberano desdém.
Mira-nos, remira-nos e diz:
Hoje vais tu, e tu também.
Que egoísmo este!
Que sede de juventude insaciável!
E não contente, sempre descontente,
Continua a clamar mais e mais,
A fartar-se só de morte.
Quando pararás insatisfeito?
Quando escolherás só velhos e aberrações?
A VÓS
Nem placas, nem palavras
Vos devolverão a vida.
Nem todo o oiro da terra.
Nem os amigos mais poderosos
Vos tornarão a dar o sopro vital.
Mesmo assim lutais;
Esmagais este e aquele
Para atingirdes o poder terreno.
Tudo cai:
Os vossos sonhos partem convosco.
E de vós, ficou uma placa,
Mísera placa, para quem tanto lutou.
OS TEUS BRAÇOS
Teus braços deliciosos!
Tinham sabor aos vinhos capitosos
E eu bebia-te beijo a beijo.
As almas sufragavam-se mutuamente
Pecadilhos próprios de todo o crente.
Vivíamos de amor e de desejo.
E V O L U Ç Á
O
A evolução mental processa-se tão rapidamente
Que, o que ontem principiou, hoje está acabado.
Por mais que me esforce e queira entender
A poesia que se diz nova e abstracta,
Fico na mesma, sem nada perceber,
E tomo, perante os iluminados, posição ingrata.
Talvez sim, talvez seja eu o mentecapto,
O falto de imaginação, o poeta
boçal
Que não compreende mais que matéria de facto
E acha, o abstracto puro, irracional.
Poetas! Homens sensíveis de gosto feliz.
Auto-psicólogos no mundo das paixões:
Perdoai-me se vos encontro errados
E fazei, se estais certos, as vossas orações.
LOUVOR
FRATERNO
Ouvi os irmãos falar,
Louvavam-se mutuamente.
Pensei ser lisonja
O que uns e outros diziam.
E a fama espalhou-se
Do amor universal.
AO
BUDGE
Este homem, pensador e bom,
Conheceu, talvez, o seu destino.
Viu Deus em todas as facetas,
Criou um Deus ele próprio
Comparou-os e tirou conclusões,
O seu era o Deus das multidões
O outro, esse veio-lhe no
pensamento.
RECORDAÇÕES
Perdi-te não sei como, não sei quando.
Esqueci-te, bem me lembro, a teu mando.
As tuas ordens eram sagradas.
No meu viver de recordações
Encontro motivos sem soluções,
E penso tudo, quimeras imaginadas.
OS TEUS OLHOS
Os teus olhos perdem-me em lembranças.
Em desejos contidos, mal refeitos,
De procurar-te em mil leitos
Chorando por todo o lado sem esperança.
Deixa com minhas lágrimas orvalhar
Os teus olhos, esse místico altar
E depor neles, o último, casto beijo.
LOUCURA
MOMENTÂNEA
Cobrir de loucos beijos o teu corpo
Vê-lo pedaço a pedaço no meu horto,
Seres minha em cada hora.
Aspirar-te o perfume em cada momento,
Esquecer a terra, este louco intento
E começar a viver, a amar, agora.
C R I O U L A
Que doçura!
Que olhos!
Que pele suave!
Que corpo!
Que braços dolentes
Me atraem tanto!
Que formas tens tu
Crioula linda?
Crioula da ilha distante,
Em procura de amor
No poeta, nesse vagabundo errante.
SENTIMENTOS
O poema é uma loucura.
O poeta é um louco
Que brinca com nervos soltos
E espalha, a brincar, sentimentos.
Nunca fui poeta a sério.
Desnudo-me de meus martírios.
Dou-vos tudo quanto sinto.
AMOR DIFÍCIL
Vivo amando os homens
Num esgar de loucura!
Lanço-lhes as minhas troças
Desfaço-lhes todas as bossas
De pedantismo e de amargura.
O O I R O
Em voltas redondas
Rodopia o homem.
Atrai-o o cheiro
Do luzente metal.
Cava, esgravata, ajoelha-se
Sem ninguém ouvir
Sem nunca parar.
Um dia, a terra, desaba.
O rico doirado ficou aleijado.
Não tem prazeres
Porque os não pode ter.
Envelhecido e triste
Relembra a mocidade:
Sonhara ser príncipe
Tomara-o a mendicidade
O TEMPO NÃO EXISTE
O tempo não existe, meu amor;
É um manto diáfano que nos cobre,
Uma torre de Babel sem mordobre,
As pétalas desfolhadas d’uma flor.
É a imagem da Virgem em louvor,
De Cristo humilhado e pobre
Chorando o mundo por este alfobre
Que ri com prazer e esquece a dor.
O tempo não existe, minha querida,
Já teve, em tempo, a infância desvalida
Onde brotavam os amores-perfeitos.
Agora, vivamos a nossa eternidade,
Deixemos o mundo sem piedade,
E sejamos, em imaginação, os eleitos.
À
M. E.
Minha irmã de martírios descabidos
Onde o Sol a muito custo entrou
Vou eu dar-te caminhos floridos
E beijar-te a mão que tanto amou.
Quero dar-te pensamentos escondidos
Imagens que nunca ninguém violou
E, em tua procura, andaram perdidos
Até que hoje, a felicidade, os encontrou.
Fujamos céleres pelos caminhos
Tomemos as asas dos passarinhos
E verás como de luz eu te inundo!
Toma, minha irmã, as mágoas e saudades,
Os meus e os teus sonhos de veleidades
Que nós, não fomos criados para o mundo!
COMO É
POSSÍVEL?
No covil dos meus pensamentos
Entram formas irreais, doiradas,
Onde espáduas carnudas, maceradas,
Me deixam, na recordação, lamentos.
Hoje, trinta e um anos passados
Olho abismado os fados
E as futuras gerações.
Como é possível tanta criancice,
Tantas guerras, tanta idiotice?!
E, para tudo, arrastam multidões.
O DIREITO E A FORÇA
O direito e a força vão lutando
Cada qual à sua maneira;
Um, invoca razões, o outro não precisa:
Objectiva-as mesmo sem razão.
O direito argumenta, barafusta,
exalta-se.
A força cala-se.
Em poucos segundos lança o caos, o ódio, a destruição.
Envergonhado pelo mundo a que pertenço
Ainda hoje me pergunto:
Para que servem a cabeça, e as palavras?
AO
SÁ PESSOA
Meu estimado amigo João Alfredo,
Ouve: as desilusões não perdoam;
Doam elas, a mim ou a quem doam.
Aparecem pela tarde ou manhã cedo.
Sentado, pensativo, no rochedo
Onde as vozes humanas ecoam:
Fujo de frases inúteis que magoam
E mantenho-me calmo, mudo e quedo.
Para ti, os tempos correm felizes;
A experiência do mundo as cicatrizes
Não te apanharam desprevenido.
Goza sim, goza a vida com amor;
Colhe aqui e além uma e outra flor
Nunca te entristeça o tempo perdido.
CRISTO
Já não te sei falar ó Cristo,
Como na juventude o fazia;
Nesse tempo em que em mim trazia
O espírito santificado de um bispo.
Agora,
Neste mundo, isolado sem alegria,
Vivendo a morte no dia à dia
Deixo-me arrastar.
Cristo das multidões desenfreadas
Vivendo o amor no fio das espadas
Mentindo e roubando a olhos vistos.
Cristo precisamos de ti!
ABUTRES
Parai, abutres vorazes.
Não tendes pai nem lei.
Atacais os caídos,
Os mais fracos, os ofendidos,
Como rapaces esfomeados.
Um morde aqui, outro ali,
E todos vão comendo
Enquanto o pobre,
Não sacia a vossa gula.
O HOMEM
O Homem é um pensamento errante.
Nas sendas do mundo
Leva consigo a mão possante
De um Deus poderoso, arguto, gentil.
É santo, é rei e ao mundo faz frente.
Porém, na lei da morte, este santo-rei
Fica impotente.
A SOBERBA
Nunca a fortuna faça esquecer
Que a soberba é vaidade
E entre ela, e a imbecilidade,
Pouca distância vai.
As riquezas são caprichos
De um destino caprichoso
E, só os tolos, assim não compreendem.
BAIRROS DE
LATA
As soluções provisórias são imperfeitas,
E o remédio é magro para quem sofre.
A lei ordena. Cumpra-se a lei
Depois de exame perfeito, pericial.
Os sentimentalistas são os autores
Da miséria, desses horrores
Que rodeiam as cidades.
O VÍCIO
Os vícios crescem como ervas daninhas.
Têm de se arrancar à força
Causticá-los, forçá-los a abandonar
Os ninhos frágeis onde se alojaram.
A autonomia, aqui, está fora de causa.
O vicioso é um prisioneiro
subjectivo
Que rasteja quando respira liberdade.
O ESTUDO
Só o estudo nos consola das tristezas.
Só ele é lenitivo às dores.
Percorremos as páginas da vida
Sem o tormento duma obrigação.
OS ERROS
Não podemos julgar que os nossos erros,
Essas faltas quotidianas, passageiras,
São o descalabro do mundo.
As nossas culpas estão marcadas
No mapa universal.
E ele é tão grande
Que os nossos problemas são átomos.
Porém, quando os resolvemos, desaparecem.
Os erros entram no esquecimento,
Depois do projecto de emenda ser aprovado.
A VERGONHA
A vergonha partiu das cidades,
Anda escondida pelas aldeias
Vai p’los caminhos em alcateias
De gente que ainda a teme.
As mulheres desnudam-se.
Os homens efeminizam-se.
E, ela, envergonhada, perdida,
Procura nos boçais guarida,
E de vergonha vai vivendo.
GUERRA E PAZ
A guerra modificou-se:
São os governantes, as cabeças pensantes
Que vão combater;
Levam espingardas, tudo o que quiserem.
Fazem a guerra num dia.
No outro, teremos a paz.
C O N S C I E
N T E
Custa-me por vezes fazer
O que, para muitos, é asneira.
Mas penso e repenso sobre a maneira
De modificar a ideia, o conteúdo.
Dou-lhe voltas e voltas tentando ajustar-me.
E, só quando não posso,
Quando a consciência me diz não:
Poderei lutar contra um milhão,
Mas sigo o meu pensamento.
AS TUAS
PALAVRAS
As tuas palavras ferem.
São cortantes, são cruéis.
Porque não pensas, quando falas?
E S T O I C I
S M O
AO
Artur Anselmo
Tu possuis a graça divina
No pensamento e na força potencial
Que faz girar um mundo à tua volta.
Vais conquistando, honestamente, lugares.
Mas Deus, querendo medir forças,
Atingiu-te com a espada flamejante.
Tu continuas (compreendo-te) dificilmente;
Carregas as duas cruzes
E sobes o calvário.
D I S T O R Ç Ã
O
Para ti, uma pedra é um rato.
Para mim, pode ser uma candeia.
Para o outro, ela, é mesmo pedra.
Os nossos pontos de vista diferem.
As nossas almas têm visões diferentes.
Mas, se falarmos, se trocarmos ideias;
Talvez encontremos razão para as nossas razões.
AS QUATRO
ESTAÇÕES
Inverno
Que cansado me sinto este ano!
Estou mais velho, sinto a morte.
Primavera
Bom amigo, é o tempo, são as variantes
Que nos fazem velhos de constante.
Verão
O calor que sinto não é tão forte,
E temos o tempo mudado ou eu me engano
Outono
Eu, não sei porquê, sinto-me mistura
Dos vossos males e investidas;
E por mais que me demande compostura
Perco, neste jogo, todas as partidas.
Inverno
Amigo Outono, tu não podes compreender
O que é passar a vida enregelado
Durante séculos a ver gerações
Famintas, aos poucos desaparecer.
Primavera
Tenhamos esperança no futuro
Que nos trará novas revelações;
E, tudo voltará ao princípio
Como quando sabíamos o que fazer.
Verão
Perde as esperanças, querida amiga.
Os bons tempos passados já não voltam
E só degradação no mundo sofreremos
Por mais esforços que queiramos empregar.
Outono
Quando vos oiço assim lamentar
Enche-se-me o tempo de tristeza.
Vejo que o desalento vos tomou
E que desacreditais na natureza
Que durante milénios nos criou.
Inverno
Não é descrença nem desalento
O que nos faz assim falar:
São os factos, é o próprio vento
Que o presente nos faz desacreditar.
Nos outros tempos, tudo era certo,
Vínhamos todos na devida altura.
Agora que somos? Que esperamos?
Eu nunca sei quando hei-de entrar
Qual o dia exacto para aparecer.
Tudo mudou podes estar
certo.
E o que me faz falar não é o sofrer
Mas a incerteza a que estamos condenados.
Primavera
Adivinho amigo o que sentes.
Comigo passa-se o mesmo
E o amanhã é o medo, é a escuridão.
Verão
Sim, o medo e a escuridão!
Outono
Que descrença vai no osso interior!
Que falta de vida vos está possuindo!
Inverno
Compreendo-te porque não entendes
E porque estás tão revoltado.
No meu tempo, cego, já pensei assim;
E hoje, de o pensar, sinto-me envergonhado.
Primavera
Vergonha amigo, nunca a tenhas
Por, em escalões, encontrares a verdade.
Vergonha seria lançares-te cegamente
Contra factos ainda improvados.
Verão
A primavera é sábia, tem razão.
Mesmo o bem deve ser estudado
Para lhe darmos a nossa aprovação.
Vergonha é aceitar o mal cegamente
Sem o estudar a fundo, convenientemente.
Outono
Que pena tenho em não vos entender!
Inverno
O dia está próximo e o entenderás.
Primavera
Tens razão amigo Inverno:
O dia está próximo e o Outono entenderá.
Verão
Mesmo os cegos têm o seu dia prometido.
Outono
Nessa hora, entoaremos canções de liberdade:
Seremos os mesmos que no início do mundo.
E então, verás amigo Verão, a felicidade,
Aparecer em renovo potencial,
Em cada um de nós e mesmo em ti.
E a luz, será realidade, diante da realidade.
Inverno
Sim, a luz será realidade, diante da realidade!
A MULHER
Que ente sobrenatural, em ti, criaram!
És feita de mil contradições:
Choras e ris a toda a hora.
É difícil saber o que vai em ti:
Mulher objecto, mulher sentimento
Consoante as circunstâncias,
Segundo a tua vontade.
DE EXTREMO A
EXTREMO
De extremo a extremo
Vou beijando Minerva e Cristo.
Procuro conhecer a verdade
Nos seres complicados e nos outros.
Em todos, procuro a ciência e o amor.
E só por isto,
A vida tem finalidade.