CAMILO

Agora, todos troçam e mandam em mim.

FREITAS

Todos querem a tua felicidade. Tens muitos amigos.

CAMILO

Tenho que me bandear para o lado dos inimigos.

FREITAS

Todos te respeitam.

CAMILO

Porque ainda me temem. Quando souberem que verguei saberão como sou fraco e infeliz.

FREITAS

Como se alguma vez te importasses com a opinião dos outros.

CAMILO (angustiado)

Também tu? Como me sinto infeliz.

FREITAS

Não me convences com esse teu ar de mártir. Todos os homens são infelizes porque não querem reagir.

CAMILO

Tentei nos meu livros.

FREITAS

Os teus personagens choram e riem no momento exacto.

CAMILO

Caldeei-os na dor para lhes dar a força da redenção. Os outros, os gozadores da vida foram sempre folhas volúveis bafejadas por uma sorte que os amparava apesar da sua pusilanimidade.

FREITAS

Viveste com eles.

CAMILO

Será que é destino de poeta e de escritor? Camões, Bocage foram émulos desta desgraça ou deixaram só o vírus?

FREITAS

Maiores desgraças relataste nos teus livros.

CAMILO

Esta cadeira e esta secretária são testemunhas dos meus tormentos. Aquela acácia flagela-me quando passo ao devaneio utópico.

FREITAS

Pessimista do prazer.

CAMILO

Às vezes ainda gargalhava com o meu pessimismo. Só o entendi quando todos começaram a rir de mim.

FREITAS

Entendeste? Leiam-se as tuas polémicas ou os comentários no "Cancioneiro Alegre".

CAMILO (com mais ardor)

Talvez tenha exagerado, mas alguns daqueles sacripantas bem mereciam umas sacudidelas. (ri com malícia)

FREITAS

E o resto da tua obra?

CAMILO (olhando para Jorge)

A minha obra é fruto de raiva. Paguei-a com a minha desdita e com a desgraça destes infelizes.

FREITAS

São os imponderáveis da vida.

CAMILO

Aquele filho podia ter sido um génio, um artista. Fiz dele um zero.

JORGE

Fiz dele um zero.

FREITAS

Não te mortifiques.

CAMILO

Sou a árvore do pecado

FREITAS

És considerado o maior escritor da Península Ibérica.

CAMILO

Nem consegui ser admitido para segundo bibliotecário em S. Lázaro.

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