NUNO Os pais têm de casar, não é? (Aproxima-se de Jorge e afaga-lhe a cabeça carinhosamente). Estás a fazer desenhos? Já tocaste piano? (Jorge diz que não, com a cabeça) Estás a desenhar quem? É o pai? (Jorge abana a cabeça em sinal de aprovação) O sr. Visconde está com uma grande bigodaça. É bigodaça de visconde, caída como mandam as regras, (vira-se para Camilo). Não é velho? Posso beber um Porto? (enche o copo e bebe depois abraça ternamente o pai). Precisas de alguma coisa? CAMILO Não, obrigado. NUNO Vê lá, eu faço o que tu quiseres. CAMILO Não preciso de nada, obrigado. NUNO Vou ver se tudo está em ordem. Freitas, almoças connosco? Até já pai.(faz uma festa na cabeça do irmão e sai) CAMILO Até já. FREITAS É muito bom rapaz. CAMILO Bom para os outros, mau para ele próprio. A estas horas da manhã já cheira a vinho que tresanda. Depois continua a jogar e a andar à cacetada sempre que pensa que alguém o ofende. Não aceita ser contrariado. É a herança dos Brocas. Desequilibrados, exaltados... FREITAS Ninguém tem culpa de nascer assim! JORGE (folheando papéis) O Camilo vai morrer. FREITAS Não mexas no bloco de teu pai. Tens o teu papel de desenho. (Jorge vai à janela e começa a cuspir e a atirar objectos) FREITAS Não faças isso, Jorge. Desculpa, eu ter-te dito para não mexeres no bloco de teu pai. Desenhaste, muito bem, o sr. Visconde de casaca e cartola. (Jorge acalma, parece satisfeito com o elogio. Senta-se ao piano onde toca uma ária simples. Camilo e Freitas escutam enternecidos). CAMILO O ser humano reaje por impulsos. É o caso dele e é o meu... FREITAS Tu rejeitas o que repudias, mesmo sem quereres entender porquê. CAMILO Estou moribundo. FREITAS Moribundo desde 1854. Estamos em 1888. CAMILO O Magalhães Machado é que vai ditar a sentença. E mais uma vez insisto no pedido que já te fiz algumas vezes. FREITAS Que deposite a tua carcaça no jazigo de minha família. Está descansado; tens lugar cativo. CAMILO Fico-te muito agradecido. Só te posso compensar oferecendo-te um livro. FREITAS Não precisas. Os livros são o testemunho da tua sólida saúde mental. CAMILO Os livros foram a areia onde escondi a cabeça porque nunca entendi o que se passava comigo. Vivi a vida dos outros para entender a minha, explicava os erros da sociedade para ver se encontrava um meio para corrigir os meus. FREITAS A Ana esteve sempre a teu lado. CAMILO A Ana, ama-se a ela própria. |