FREITAS Não tem importância. CAMILO Que está ele a fazer? FREITAS Desenha. (Camilo põe a mão no peito como a conter um soluço de dor) CAMILO Podia ter sido um verdadeiro artista: escrevia, pintava, desenhava, tocava piano e de repente ficou assim. Eu sou o culpado. (entra a criada Rosa) ROSA Está aqui o Francisco Correia. Mando-o esperar? CAMILO Manda-o entrar. (virando-se para Freitas). Não te importas? FREITAS Nem pensar. (o Correia entra) FRANCISCO CORREIA Incomodo? CAMILO Não. O Freitas Fortuna, já o conheces, podes falar. FRANCISCO CORREIA Vim pelo emprego. CAMILO Já escrevi ao Tomás Ribeiro. O despacho deve sair por estes dias. FRANCISCO CORREIA Veja o sr. Visconde se é preciso fazer alguma coisa para agradar à pessoa. CAMILO Não te preocupes. Aquele não dá despesa nem ao país, nem aos peticionários. FRANCISCO CORREIA Mas é costume. CAMILO Com aquele, não. FRANCISCO CORREIA Se me dão licença, retiro-me e mais uma vez agradeço ao sr. Visconde tudo quanto possa fazer por mim. CAMILO Fica descansado que o assunto está tratado e confirmado. Só falta o despacho.
(O Correia, sai) FREITAS Fazes o que queres do Governo. CAMILO Ainda monto banca de solicitador. FREITAS E não perdias um processo. CAMILO Agora que estou de abalada é que me ouvem. É a minha vingança. Faço pelos outros aquilo que não consegui fazer por mim. Chateio, escrevo, insisto e um pedido meu tem de ser aceite. Não fui bibliotecário, sou mandatário. FREITAS Não lhes perdoas. Foi a sorte do país. Com a tua voracidade passarias mais tempo a ler do que a escrever. CAMILO Nem me perdoo pelos infelizes que coloquei neste mundo. FREITAS Deixa de te martirizar por causa dos filhos. CAMILO Fui um inconsciente. FREITAS Quando jovens cometemos erros sobre erros. Como é possível que isto aconteça, sendo nós racionais? CAMILO Racionais do acaso. |