Nos trabalhos de campo o tempo marcado para o vinho está sempre presente: "Outubro resolver, Novembro semear, Dezembro nascer, Janeiro gear, Fevereiro chover, Março encanar, Abril espigar, Maio engrandecer, Junho ceifar, Julho debulhar, Agosto engavetar, Setembro vindimar".

Como verificou, por esta síntese, o vinho é tratado como parceiro social. Está em pé de igualdade com o homem. Passa pelas mesmas etapas de vida: juventude, maturidade e velhice.

É errado pensar que um vinho com mais de 80 ou 90 anos é uma preciosidade. Pode ser uma relíquia avinagrada. Só o Madeira consegue festejar o centenário. O Porto atingirá o clímax aos 70, 80 anos, depois vem o colapso. Com muito sacrifício chegará aos cem. Os vinhos sofrem os devaneios e os achaques próprios de cada época, da mãe que os alimenta, do clima e das castas escolhidas.

Os vinhos de plantas medicinais que aqui lhes apresento podem ser aperfeiçoados à medida que os forem repetindo. Devem ser feitos com castas superiores e nas melhores condições. Nunca deve esquecer que estes vinhos vão extrair das ervas todas as suas qualidades. Possua-os devagar e prudentemente.

Segundo a enciclopédia, o vinho natural, tomado em pequenas doses é uma bebida tónica e estimulante, sobretudo o vinho tinto, enquanto o vinho branco é diurético. É devido a esta sabedoria intuitiva que os mais velhos não dispensam o seu copito para que as veias não se atrofiem e o coração bata por longos anos.

Hoje sabe-se que o vinho tinto, devido às substâncias anti-oxidantes que contem, é um exterminador implacável dos radicais livres, esses minúsculos átomos ou moléculas que atacam as estruturas celulares e as destroem pouco a pouco. Os radicais livres são os maiores causadores das doenças cardíacas e do cancro.

Se beber, moderadamente, vinho é saudável, bebê-lo com a essência das plantas mais saudável se torna. Siga a advertência do provérbio: " Três copos de vinho mandam embora (em boa hora) os espíritos, mas com o quarto, eles voltam". Com o vinho medicinal acontece o mesmo, só deve beber um copinho a cada refeição ou fora dela consoante for o caso. Só um. Muitas vezes, nem um, só uma colher ou duas de sopa.

Este vinho medicinal é a junção da casca, das flores e das folhas das ervas que irão enriquecer o líquido onde se misturam.

Ao vinho, o bom conhecedor olha-o com avidez, observa-lhe a cor, sente-lhe o cheiro, aprecia-lhe o paladar.

E aos vinhos medicinais, como fazer? As características são-lhe alteradas? Sem dúvida que os aromas são um pouco modificados consoante a erva que os "inspira".

Não se bebe vinho medicinal como se bebe vinho comum, isso está assente desde que começámos este silencioso diálogo.

Sei que deseja entrar imediatamente na composição dos preparados. Tenha calma.

Normalmente os vinhos medicinais são consumidos num curto espaço de tempo, mas se os produzir em quantidade deverá ter, assim como para os vinhos comuns, um certo cuidado: Não andar com eles de um lado para o outro, evitar a luz e o calor. Se tiverem cheiro a mofo, a podre ou a torrado deite fora e recomece a operação.

Antes de utilizar vinhos para fins medicinais, sinta-lhes o cheiro. Se não o tiverem é porque estão no período "mudo" entre os dois e os quatro anos. Isto acontece porque o excesso de calor, de luz ou de falta de humidade irritaram o "jovem". Passe a outro onde os aromas se façam sentir com mais fragrância.

No final do livro repito-lhe a base para as suas experiências. A regra fundamental é ter um bom vinho, nada de zurrapas. Para que isso aconteça deve seguir dois princípios fundamentais consoante queira fazer vinho tinto ou branco. Com o tinto basta observar as regras normais como sejam: A pisa ou esmagamento das uvas, a fermentação que transforma o açúcar em álcool e o sumo em vinho, depois mergulham-se as peles no líquido até ele tomar cor. Em seguida passa-se à prensagem. É nesta fase que os fermentos convertem o açúcar em álcool e, portanto, o sumo em vinho. Em seguida, o mosto (a massa residual) é, outra vez, prensada para libertar o líquido carregado de tanino que se mistura ou não com o vinho para o beneficiar. Segue-se a maturação em pipas ou barris. Por último fazem-se as trasfegas para limpeza dos sedimentos. A primeira, para vasilhas novas e a segunda para engarrafamento.

Com o vinho branco, o processo é idêntico, simplesmente há que ter cuidado com o transporte das uvas. É fundamental a rapidez com que manipula as diferentes fases. Com o vinho branco há necessidade de se fazer uma filtragem muito cuidada.

Os melhores recipientes para a fermentação dos vinhos brancos são os de aço inox devido à facilidade que oferecem na verificação da temperatura e dos respectivos fermentos. A maturação deve ser feita em pipas novas e, sempre que possível, de madeira de carvalho.

Quanto ao vinho do Porto, cujo aroma e sabor não têm comparação no mundo inteiro, não me vou pronunciar sobre a sua preparação. Só os deuses, a gente e o solo duriense têm o segredo de tão fabuloso néctar. É com ele que podemos produzir mais rápida e eficazmente os vinhos medicinais.

III

Enquanto que para fazer vinho comum tem de executar diferentes operações com o vinho medicinal as operações são bem mais simples. Não requerem qualquer esforço especial. Só um pouco de paciência até confirmar os resultados.

Na Idade Média (compreendida entre os anos 395 e 1453) a cidade italiana de Salerno teve a primeira Academia do mundo ocidental onde se estudou o vinho como medicamento. Não consta que alguém se tenha dado mal com a aprendizagem.

A provar o respeito e a consideração pelas propriedades do vinho, os povos mais cultos e avançados do mundo antigo, os Gregos e os Romanos, mal despertava o dia, levantavam-se, lavavam as mãos e espargiam vinho para os numes tutelares (espíritos protectores). À hora do almoço voltavam a derramar um pouco de vinho em louvor dos deuses, dos heróis e de Júpiter.

Nas casas dos grandes senhores, no momento dos banquetes, derramavam-se algumas gotas de vinho em louvor da saúde, do prazer e do sono.

O vinho foi sempre respeitado como um ente vivo e protector.

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