Com Salazar, fazia-se ronha. Quem achava que devia pagar impostos indirectos pagava, quem não queria pagar não pagava. Dou um exemplo. Salazar aproveitava todas as migalhas para equilibrar o orçamento. Foi assim que ele conseguiu endireitar o País e as finanças. Pagava-se 10 cêntimos, por ano, para poder usar isqueiro. Mesmo sendo diminuto o custo da licença nunca me lembro de alguém a ter tirado. Talvez nas grandes cidades isso acontecesse, mas nas aldeias todo o dinheiro era pouco. Era a época das hortas, dos galinheiros e dos pequenos serviços. Era o tempo da economia de subsistência. O slogan motivador era: "Trabalhar e poupar, manda Salazar". Todos tinham consciência que os tempos eram difíceis e o pouco que havia tinha de chegar para os que nada tinham. A solidariedade era muito grande. A inflação era desconhecida. Quem pensasse em melhorar de vida passando-se para Espanha, imediatamente constatava que o nível de vida era muito mais baixo no país vizinho. A peseta, o equivalente ao escudo, cem centavos, era comprada a 40 centavos, igual hoje a 0,2 cêntimos.

Ninguém passava fome porque o Estado se encarregava, de uma maneira ou de outra, de alimentar os mais carenciados. Na minha terra havia um quartel. O rancho dos soldados era o rancho de todos aqueles que o quisessem ir buscar. Mas havia pobres de pedir esmola, daqueles que andavam de terra em terra, fugindo do trabalho, como hoje fazem os romenos. Fingem-se doentes, coxos, vesgos, cheios de tremuras e lá vão explorando quem trabalha. São os parasitas da nova Europa que desaguam em Portugal porque é um País de brandos costumes e caridoso.

Não temos para nós, mas alimentamos a preguiça dos outros por causa desta bondade inata que nos faz diferentes dos outros povos da Europa que, democraticamente, os correm para fora das suas fronteiras.

Aquilo que parecia impensável, depois do 25 de Abril, acontece hoje, já que, com Marcello Caetano, os pobres de pedir não existiam. O número de desempregados era diminuto. Em 2004, temos quase sete por cento. Há famílias com graves carências alimentares, tanto no Vale do Ave como noutras regiões do País. O Alentejo continua a desertificar-se, não por causa do latifúndios, mas porque as pessoas se recusam aí a viver. Andamos há séculos a tentar modificar a situação e ainda não apareceu ninguém capaz de resolver um problema que me parece de fácil solução, mas que os sucessivos regimes e Governos ainda não conseguiram despachar.

Em 1893 são instaladas colónias agrícolas no Alentejo para evitar o despovoamento. Salazar tentou fazer do Alentejo o celeiro de Portugal. Tudo fracassou. A população emigra porque não quer passar dificuldades, o que é compreensível.

O português envergonha-se de pedir e podemos ser confrontados com atentados à própria vida o que seria desonroso para todos os que estamos no mesmo barco.

Quem não trabalha não desconta para a Segurança Social, que acabará, rapidamente, por se ver confrontada com um maior número de reformados do que pessoas no activo.

Os culpados são os políticos, que por cobardia, ignorância, ou por interesse partidário têm deixado degradar a situação económica do País. O descaramento é grande porque sabem estar a lidar com um Povo mal informado. Aquilo que hoje dizem, desdizem amanhã só porque não estão no Governo e têm de deitar abaixo os que os substituíram. E fazem isto, ganhando mal, quando ganharem bem vai ser uma catástrofe.

Sobre o que acabo de dizer, nada melhor do que meditar no que escreve o Dr. Francisco Sarsfield Cabral, no DN de 22 de Dezembro de 2004:

"Há muita hipocrisia na indignada reprovação do recurso a receitas extraordinárias para cumprir o défice orçamental de 3% do PIB. Muitos dos que agora criticam tal recurso são os mesmos que, antes, ridicularizavam a obsessão pelo défice. Ora, sem receitas extraordinárias o défice real teria de ser menor, logo necessitaria de uma política orçamental mais restritiva _ quando esses críticos reclamavam precisamente uma política menos restritiva..."

Por este pequeno excerto se pode avaliar o contorcionismo dos políticos que não têm pudor em embrulhar o povo.

Sabem que o povo não entende e desejam que ele continue a não entender. Foi por isso que se lançaram sobre o encarte explicativo que o Governo colocou nos jornais, em 22 de Dezembro de 2004, com a finalidade de o povo atingir de modo claro, simples e objectivo como, e o que fazem os políticos. Mas os da oposição não querem. Preferem um País de cegos, surdos e broncos a um País de pessoas sensatas, inteligentes e cumpridores dos seus deveres.

Se o povo não cumprir, os políticos têm sempre uma desculpa. E tantas hão-de arranjar que o País cairá de podre porque totalmente esvaziado de conteúdo.

Para o Doutor António Lourenço dos Santos, a situação do País é grave e não suportará mais duas fases semelhantes, com paliativos sucessivos, não resolvendo seja o que for e agravando cada vez mais a situação sócio _ económica devido à incapacidade de gestão. Aquilo que poderá acontecer é que o próprio povo, devido à sua frustração, desorientação e à diminuição constante do seu poder de compra, force uma mudança de atitude em que os governantes tenham autoridade efectiva para impor as regras e assim se consigam atingir os objectivos propostos.

É indigno que se continue a abusar deste Povo, da sua fraca cultura, e das suas crenças simples para o enganar.

Eu tive de usar uma espécie de homeopatia mental, fui forçado a descer até aos seus medos, às suas crenças, às suas superstições para o tentar erguer. Aproveitei a crendice para lhe incutir força através de livros muito simples, mas com algo em que o Povo acredita.

Partindo sempre da ideia daquilo em que crêem, tento demonstrar-lhes que a força está em cada um, que eles são gente válida, que devem estudar, que têm de colocar os filhos na escola, que têm de recusar ser pobres e que podem acreditar nos santos que bem entenderem, mas, principalmente, acreditar neles.

É indiferente a religião que professem. São eles que têm de resolver as suas dificuldades, e repito isto muitas vezes: estudando, aprendendo, cultivando-se, trabalhando e recusando ser pobres. Aplico mesmo expressões desagradáveis como: os pobres são os excrementos de Deus, os pobres são escravos, os pobres são a escória da sociedade. Depois explico: os santos desencarnados ou os espíritos não são mais que energias que se podem aproveitar, mas, para que isso aconteça, é preciso que cada um acredite em si, que lute e esbraceje até alcançar o que pretende. O espírito só ajuda se nós nos ajudarmos a nós mesmo.

É com esta simplicidade que tenho tentado ir em socorro do Povo que eu amo como amo os meus próprios filhos e netos porque compreendi que muitos não conseguem assimilar de outra maneira.

É infame que tenhamos dois milhões de pobres.

Enquanto o povo não estiver todo altamente alfabetizado e com graus superiores, que até podem ser adquiridos através da televisão ou da Internet ou das duas em conjunto, a superstição e a insistência no "há-de ser o que Deus quiser", nunca mais acaba. Esta gente fica paralisada à espera do milagre, quando o milagre está no estudo, no conhecimento e na vontade de trabalhar.

Os milagres são o fruto das nossas energias, do nosso trabalho, do nosso estudo, do nosso conhecimento.

Quer melhor exemplo de milagre do que o daquela miúda inglesa, a Tilly, com dez anos, que alertou para a chegada do Tsunami, em 26 de Dezembro de 2004, e com isso salvou cem pessoas? E fez o milagre porquê? Porque aprendeu na escola como se formam os Tsunami.

A vida não pode continuar a ser um jogo constante de roleta russa. Se não se despertar o entendimento e o raciocínio, a beataria continuará a semear a crendice e a perseguir os menos cultos para os manter amarrados e deprimidos. Só assim, as beatas, se podem manter à tona de água. É um erro que também vão pagar caro. A ciência e o conhecimento explodem todos os dias. A Internet, a televisão e as outras tecnologias de suporte forçam que toda a aprendizagem se faça a velocidades excitantes e de uma maneira acessível a todos.

Sou forçado a falar de mim e do que tenho feito, não para alcançar seja o que for, ou para me diminuir, segundo o ponto de vista de cada um, mas porque estamos com a corda no pescoço e nunca mais sairemos das dificuldades, em que todos nos encontramos, se não conseguirmos rasgar os analistas de café onde cada um imprime a sua opinião segundo o que tem no bolso. Um diz uma coisa, outro diz o contrário e o Governo, por incrível que pareça, ouve todos os disparates.

Ninguém está contente com a situação em que há trinta anos nos confrontamos. Trinta anos é muito tempo para o ser humano, que tem a vida a prazo.

O mundo entristece-me, não, por aquilo que tenho passado, mas pelo que os outros passam. Pela fome, pela pobreza envergonhada, pelas crendices ingénuas, pela exploração desenfreada dos homens pelos homens, esquecidos que nada mais são que pó e que nada poderão levar com eles quando se desfizeram em lama e se transformarem em fétidos monturos, verdadeiros espelhos do que fizeram e sugaram nesta vida.

O Povo Português é um povo crédulo, bom e ingénuo, que está a ser lançado para o abismo por incapazes que perdem tempo em guerras de campanário em vez de se debruçarem sobre os assuntos do País e resolvê-los.

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